Photo by K. Mitch Hodge on Unsplash

Rainhas mais ilustres da História não eram frágeis e indefesas

Victória Ferreira
Lado M
Published in
7 min readOct 8, 2015

--

Belamente sentadas ao lodo de seus maridos: com o cabelo impecável, vestidos exuberantes e uma coroa digna de exposição adornando suas cabeças perfeitamente posicionada sobre os ombros. A realeza como um todo possui seus estereótipos, e esse é só mais um deles, o qual é direcionado às rainhas e princesas.

À primeira vista, é essa a imagens que aparece à mente das pessoas; um trabalho simples de escavação da História — algo como fazer um buraco raso na terra para plantar sementes — porém, apresenta uma outra versão dos fatos. Os vestidos são bonitos e exuberantes sim, da mesma forma que os cabelos, as coroas, a maquiagem e a postura que todo ortopedista sonha. No entanto, há mais do que isso. Não são apenas os adornos que fazem essas mulheres tão belas e inspiradoras.

O poder das rainhas

Primeiramente, é preciso destacar um ponto que auxilia no entendimento de como essas mulheres eram tratadas no período recortado (Baixa Idade Média à Idade Moderna). Atualmente, é muito comum que as pessoas insiram o paradigma da “superioridade masculina” ao se tratar do papel que as mulheres da monarquia exerciam. É claro que não se tratava de uma sociedade perfeita e totalmente igualitária no que tange aos gêneros, mas também não era como os filmes de princesas plantam.

Segundo Ana Paula Torres Megiani, professora doutora de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, na USP , trata-se de um paradigma contemporâneo.

“Essa ideia toda do poder do homem, a força do homem, ela se recolocou muito na sociedade burguesa pós-industrial, em que o homem passou a ser aquele que é o mantenedor da ‘família’. Então, quando nós trabalhamos com Baixa Idade Média, Idade Moderna, essa concepção não existia. No antigo regime, a relação entre homens e mulheres era totalmente diferente”.

Nesse período, as mulheres exerciam os cargos reais de maneira igual aos homens. A imagem de princesas frágeis e que sonham em se casar é uma construção da visão da história no século XIX. Mesmo assim, ainda se esperava delas que fossem “boas esposas”, sendo educadas para tal.

Bruxaria

Observa-se que, contudo, essa não distinção sexual quanto ao exercício do poder ocorria com as famílias reais. As mulheres pertencentes a outros estratos sociais eram tradadas de maneira diferente. Como por exemplo o que acontecia com as mulheres consideradas bruxas, pelo medo que causavam ao serem associadas com o diabo da bíblia.

Por serem conhecedoras de práticas conceptivas e abortivas, o clero masculino perseguia as mulheres e acusavam-nas de bruxaria. Eram caçadas por serem reconhecidas como perigosas. Já na sociedade burguesa, entram outros ideais. Não há mais essa associação com o demônio e nem o medo, mas sim o pensamento de que a mulher pertencia ao lar e a instituição do ideário de mulheres puras e virgens. Nessa época o gênero feminino era reprimido pelo masculino.

As rainhas e os casamentos

O casamento em si é outro ponto esclarecido pelas falas de Megiani: na monarquia os casamentos eram meramente acordos políticos. O que importava era a união de linhagens, os privilégios, títulos, cargos, ou a proteção contra uma possível ameaça na linha de sucessão ao trono. Dessa forma o dote, por exemplo, era pago por aquele que possuísse mais dinheiro, seja mulher ou homem.

A obrigação de casamento para subir ao trono, quando feita, era para ambos os gêneros, com algumas exceções. Em Portugal, mesmo se fosse a única herdeira, uma mulher não poderia ser rainha, apenas regente. Já na Monarquia inglesa, essa proibição não existia, assim como a obrigatoriedade do casamento.

Rainhas e princesas ilustres

Tendo isso posto, pode-se falar de algumas mulheres que, dentre as outras rainhas ilustres e princesas, se destacaram por seus feitos e maneiras de governar.

Inês de Castro, a rainha coroada após a morte

Associada ao poder político e real de Castela, se envolveu romanticamente com o príncipe de Portugal, Dom Pedro. Como nos casamentos o que importava era a linhagem, para combater a possibilidade de que o reino de Castela tivesse alguma ligação com o reino de Portugal, o rei Dom João VI comandou a morte de Inês, se tratando ela de uma ameaça a seu poder. Com isso, o príncipe português se vingou dos assassinos, matando-os. A história tornou-se tão famosa que virou lenda na época, e perdura até hoje como uma história épica no texto “Os Lusíadas”. Segundo a lenda, Dom Pedro retirou Inês de seu túmulo e a fez ser coroada morta, obrigando todos a se ajoelharem perante sua rainha.

Dona Maria I, a Louca

Rainha Regente de Portugal no final do século XVIII, mãe de Dom João VI e esposa de Dom José I. Com a morte do rei e a impossibilidade de o príncipe assumir o cargo devido a sua idade, Dona Maria assume o trono como Rainha Regente até que seu filho tenha atingindo a idade para assumir. Seu apelido, “a Louca”, foi construído através de uma fama que tomou proporções muito maiores do que a realidade. Sobre isso, Ana Paula Megiani comenta: “Nesse caso eu acho que é uma visão negativa da mulher. Porque ela apenas adoeceu no fim da vida, como qualquer pessoa senil adoece. As crônicas contam que durante a fuga de Portugal, no navio, ela tinha muito medo porque eram muitas mudanças. Mas enquanto ela governou, foi uma grande Rainha”. Foi ela a responsável por articular a fuga da família real de Portugal diante das invasões napoleônicas, salvando a coroa portuguesa.

Rainha Isabel, de Castela, a Católica

Com todo seu poderio político, foi a responsável pela primeira tentativa de unificação entre Castela e Aragão na segunda metade do século XV. Terceira na linha de sucessão, assumiu o reino após a deposição de seu irmão e a morte do outro. Quando coroada, em meio a conspirações dentro da corte, esperava-se que ela fosse alguém fácil de manipular. No entanto, Isabel mostrou-se extremamente habilidosa em governar e lidar com política e diplomacia. Entrou em um jogo de interesses, atraiu a atenção de diversas monarquia que tinham interesse em Castela. Ciente disso, antes da morte de seu irmão e rei Henrique IV e sem seu consentimento, a princesa escolheu seu pretendente e casou-se com Fernando de Aragão, na intenção de unir os dois reinos. Tal fato deu início ao processo de unificação da Espanha.

Rainha Ginga, a rainha de Matamba (Nzinga Mbandi)

Na África existia um outro tipo de sociedade e monarquia, era mais matriarcal; o poder estava mais ligado às linhagens femininas. Foco de estudo da Professora Marina de Mello e Souza — também da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, na USP -, Ginga foi uma dessas mulheres: Excelente guerreira, estrategista política e militar, foi uma grande rainha que sabia exercer um exímio poder diplomático. Durante seu governo, lutou contra a invasão dos portugueses, lançando uma campanha “antilusitana”, o que levou o governo português a ter como principal objetivo a captura e a submissão da rainha. Extremamente hábil, enganou os governantes lusitanos conseguindo fugir e se refugiar juntos ao jagas, ganhando o título feminino mais importante em um Quilombo, o de Tembanza. Fez de tudo para não se render: desde alianças com Holandeses até se converter ao catolicismo. Morreu aos 80 anos, sendo venerada como “Rainha Imortal”.

Rainha Vitória

Mesmo afastando-se do período supracitado, não há como não a mencionar. Responsável por levar a Inglaterra a um de seus períodos mais grandiosos, a rainha tornou-se também Imperatriz na Índia durante o período colonialista. Seu reino tornou-se um ícone na época e se modernizou na medida em que se expandia e se abria para o mundo, com acordos e conquistas.

Wu Zetian

Também se afastando do período escolhido anteriormente por governar entre 625 e 705, foi a única mulher a se tornar imperatriz da China e a proclamar sua própria dinastia, a Zhōu. De família aristocrática, Wu integrou o harém do imperador e foi concubina dele e de seu filho. Elevada ao posto de imperatriz consorte, seu poder e influência aumentaram com a debilitação da saúde do imperador Tang Gaozong e sua consequente morte. Wu Zetiang começou a exercer seu poder nas sombras durante o reinado de mais dois imperadores; após isso, decidiu se expor e oficializar seu cargo como Imperatriz.

Mulheres exercendo cargos políticos importantes estão sempre presentes e, graças, continuarão a estar. As princesas submissas continuaram nos antigos filmes. As roupas ainda serão luxuosas e o poder só se fará crescer.

Originally published at www.siteladom.com.br on October 8, 2015.

--

--