Assédio: um problema que persegue as mulheres em todos os países do mundo

Patrícia Beloni
Lado M
Published in
5 min readDec 9, 2015

--

Foram inúmeros os motivos que me levaram à Roma. Mas na minha cabeça, eu estava indo para estudar, para iniciar meu TCC, para evoluir academicamente. Mas no fundo, eu estava fugindo do Brasil. Fugindo da vida que eu levava, da rotina, das pessoas, dos medos, planos que não foram para frente, dos projetos que não deram certo, dos romances incertos, do passado ainda presente, de mim mesma.

Cheguei na Itália com receio. Receio de não conseguir ficar sozinha, de não conhecer pessoas, de não fazer amigos. Demorei um pouco para perceber o mundo que eu tinha na minha frente e a oportunidade para desbravar outra cultura, outras pessoas, outra vida. Mas resolvi acordar.

Comecei a fazer amigos. Italianos. Franceses. Espanhois. E enfim, outros brasileiros. Era bom ter alguém com quem me identificar.. ideias, pensamentos, gostos, saudades … É diferente com outra nacionalidade. Por mais que existam semelhanças, as divergências em tudo são gritantes. E mais do que nunca tive certeza de que a cultura é sem dúvida a identidade de uma nação.

Mas se tem uma coisa que é universal, infelizmente, é como a mulher ainda é vista como um objeto, como um corpo. Ah, isso é evidente e explícito no mundo todo. Engana-se quem pensa que só o Brasil é pátria do machismo, do sexismo, do preconceito. Ilude-se quem acha que o mundo afora é mais evoluído. Aqui ainda a luta do feminismo está aí ‘fazendo um escândalo’. Um grande passo.

Saindo da toca

Lugar comum: casas noturnas. Me convidaram para ir a uma festa temática dos anos 90, onde a maior parte dos convidados eram italianos. Fiquei super animada, afinal, queria entrar mais em contato com os nativos, com os romanos mesmo. Já tinha muito estrangeiro no meu ciclo de amigos.

A festa foi divertidíssima, pena que o comportamento de um homem me deixou alerta para um problema que seria recorrente por lá: “Ah, é, brasileira? Maravilha, vou transar hoje”. A minha reação foi primeiro de surpresa, seguida de aceitação já que a imagem da brasileira é complicada fora do país, e depois de indignação. Dei às costas e continuei a dançar com minhas amigas e fiz algo que hoje me arrependo. Fingi que nada tinha acontecido.

Mas os assédios estavam presentes em outros inúmeros ambientes. No supermercado, com olhares que me faziam sentir como se eu fosse um pedaço de carne. Na rua, com carros que passavam buzinando ou motoqueiros que diminuíam a velocidade para me ver mais de perto. E até dentro de pontos turísticos, como igrejas ou na fila do Vaticano.

Eu não estava acreditando naquilo. Mas tudo bem, eu não queria estragar minha experiência por ter percebido que aquele problema rondava o mundo. Queria superar aquilo, passar por cima. Achava que não me atingia, que não precisava me atingir.Quando, na real, não era eu que precisava superar. Não era uma situação a ser superada e sim um comportamento a ser combatido.

Assédio incondicional

Usar a bicicleta como meio de transporte não tornou minha vida mais fácil. Pelo contrário. Chamava mais atenção ainda, principalmente quando eu parava no farol para atravessar a rua. Os olhares eram frequentes, e mesmo no inverno, que eu estava toda empacotada, e muitas vezes até com roupa de chuva, era comum ouvir um ‘psiu’ na rua.

Ficava me perguntando se aquilo era porque eu aparentava claramente ser estrangeira ou se era um comportamento comum do italiano. Na verdade, ainda me faço essa pergunta. Porque a impressão que ficou foi que era um assédio deliberado devido à minha nacionalidade. Não que isso justificasse o comportamento ou o fizesse menos grave.

Mas me questionava se as italianas sofriam o mesmo. Não tive contato com grupos feministas e discussões sobre sexismo diretamente. Também não acompanhei notícias de estupro, de casos machistas ou de violência doméstica na mídia. Mas outra coisa eu pude constatar: não era algo exclusivo da Itália.

Mal da humanidade

Durante minha estadia, tive o privilégio de visitar vários países pela Europa. E o primeiro a ser visitado me rendeu uma surpresa nada agradável: quando caminhava pelas ruas de Madrid, fui abordada por dois homens que trabalhavam em uma construção (triste estereótipo, mas é verdade, acreditem). Eles queriam saber de que país da América Latina eu era, porque minhas pernas eram muito bonitas e minha cor denunciava minha origem. Ignorei os indivíduos, que ainda tiveram a cara de pau de gritar: Mas qual seu nome? E o telefone?

E infelizmente, a Espanha não foi o primeiro nem o último país pelo qual passei e sofri assédio. A cena se repetiu por Portugal, por onde foi um pouco mais triste ouvir as cantadas na minha língua. Talvez 1 ou 2 países tenham me deixado ilesa durante a viagem… Mas não afirmo com plena certeza. Sei dizer que em cada lugar que passei, sofri algum tipo de investida, algumas piores outras menos.

E hoje, mais ambientada no tema, repenso no que aconteceu. Em alguns momentos, me arrependo de não ter reagido. Em outros, entendo como minha cabeça ainda estava presa aos padrões da sociedade na qual fui criada, que me ensinou que mulher tem que ser submissa. Que a gente precisa ignorar esse tipo de comportamento masculino, que precisa prezar pela nossa imagem de mulher ‘de família’, de ser recatada, não mostrar tanto o corpo, ainda se fizer calor, e aceitar que o homem é cavalheiro porque as damas são mais fracas.

Não, senhores. Somos tão fortes quanto alguns homens. Às vezes, até mais do que alguns. Mas a questão vai além disso. O ponto é que, a partir do momento que alguém me faz sentir incomodada, seja pelo jeito de olhar, pelas coisas que fala ou ainda pelo modo como fala, essa pessoa está me desrespeitando. E se ainda o que ela faz está relacionado diretamente com o meu corpo e me faz sentir um objeto sexual isso se configura como assédio.

E depois que eu voltei é que eu vi a questão tão em alta, em discussão no país, é que eu percebi como problema é universal, como ele está em todo lugar, e independe de classe social, de raça, cor, credo. E que não tem essa de “é só uma brincadeira” ou de “foi um elogio”. Não é “mimimi”, queridos. Se não foi consentido, então é assédio. E assédio é crime. Então, faça o favor de controlar o seu impulso, seu instinto animal, e lembre-se que dentro deste corpo aqui existe uma pessoa que merece respeito e que é tão gente como você.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 9, 2015.

--

--

Patrícia Beloni
Lado M

Sempre em movimento, ela não gosta de rotina. A jornalista adora novidades e está sempre em busca de aprender mais. Amante dos esportes e da espiritualidade