Créditos: Coletivo Ada Coleman

Bons Drinks e Feminismo ajudam no combate aos efeitos da pandemia no país

Carolina Pulice
Lado M
Published in
6 min readJun 18, 2020

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Grupo de mulheres em São Paulo mostra que é possível relacionar empoderamento feminino com coquetéis antes, durante e depois da pandemia

Chris Chaim decidiu criar uma página no Instagram, o bar.minna, para ensinar drinks fáceis e muito saborosos para serem feitos em casa. “O meu foco, em todas as ativações, é o quebrar o tabu entre drink de homem e de mulher”. Para ela, frases prontas de que “o homem não pode pegar o drink na taça de Martini, que é considerada mais ‘feminina’” por ser algo mais atrelado à mulher ou que mulher não bebe Whisky devem ser combatidas. “A mulher pode beber o que ela quiser”.

A relação entre ela e os drinks, porém, já é de antes. “Começou desde que eu era criança, porque meu pai é colecionador de cachaça e Whisky”, conta, enfatizando ainda que sua relação com o álcool sempre foi muito saudável.

Depois de um TCC sobre marca de bebidas, um curso de gastronomia, outro de bartender e anos trabalhando em uma empresa de bebidas, Chris decidiu se dedicar à imagem das marcas nas redes sociais. Atualmente, ela trabalha como freelancer e criou um perfil próprio sobre coquetelaria no Instagram.

Empoderando mulheres na coquetelaria

Graciela Souza investiu em seu próprio negócio quando viu a necessidade de empoderar mulheres para trabalhar no setor.

Graci, como é chamada, começou a trabalhar na área de forma despretensiosa, até que se apaixonou pela profissão. Mas foi com o passar dos anos e muitos trabalhos não reconhecidos (com a falta de valorização) que ela decidiu formar sua própria empresa. Foi então que surgiu o Maria Maria Bartenders. O projeto, como ela conta, surgiu em 2017, mas foi só em 2019 que ela sentiu que deveria focar somente nele.

Inicialmente, o Maria Maria Bartenders tinha como primeiro objetivo dar treinamento a um preço acessível para mulheres que queriam ter uma renda extra trabalhando como bartenders. “Só pensava nos treinamentos para dar mais oportunidades para mulheres. A gente não tem mulher na área e pode dar renda extra. Pensava em mães que poderiam trabalhar no fim de semana”, afirma. Mas foi analisando o mercado que Graci percebeu que era necessário dar mais do que um treinamento: era preciso oferecer oportunidades.

“Via que ainda estava difícil para mulheres terem oportunidades. Será que tem demanda? É possível contratar uma equipe só de mulheres?”, questionou. Com a tão desejada equipe, o Maria Maria Bartenders foi de recomendação em recomendação, fechando o ano de 2019 com mais de 30 eventos realizados, o que, segundo Graci, garantiu que mulheres ganhassem uma renda suficiente para sustentar suas famílias.

Amor antigo

A história de Michelly Rossi com os drinks já tem mais de uma década. Tendo trabalhado como bartender em baladas e em bares, a única gerente de bares em um grupo, o Grupo Tokyo, diz que quando começou a trabalhar no ramo, há 13 anos, a realidade era outra.

Seu primeiro contato com a área foi em Florianópolis, ajudando um amigo. Ela ainda cursava Direito. Mas foi em São Paulo, alguns anos depois, que Michelly encontrou sua verdadeira vocação. “Eu vim para São Paulo para trabalhar com bebidas”, afirma.

Bons drinks, bom empoderamento

As histórias dessas três mulheres mostram que o empoderamento feminino permeia e deve permear todas as esferas da sociedade, inclusive no consumo de álcool, que, vale destacar, é uma droga perigosa se não for consumida com moderação.

Tanto Graciela quanto Michelly apontaram para a falta de mulheres trabalhando no setor. “Talvez eu seja a única [trabalhando como gerente de bares]”, afirma Michelly.

“Quando eu comecei, eram pouquíssimas vezes que eu via mulheres como bartenders em eventos de drinks. Iam três mulheres e um monte de homens. As oportunidades não chegavam pra elas. Isso não era compartilhado de forma justa. Eu não acredito que tenha mudado muito”, diz Graciela.

A ausência de mulheres é consequência da falta de oportunidades, de ponta a ponta. Se já é possível ver mais bartenders mulheres em alguns bares, outras áreas do setor ainda são predominantemente dominadas por homens. “Que mulher que produz conteúdo sobre drink?”, questiona Graciela.” Assim como não tem professora de coquetelaria. Tem muitos campos vazios, e a gente percebe. Às vezes a gente acha que está conseguindo, mas ainda tem muitas lacunas. Está faltando muita oportunidade”, afirma.

Do lado do consumo, as marcas do machismo também estão muito presentes. Quem nunca ouvi frases como “mulher bebendo é feio”, ou “mulher bêbada é alvo fácil”?

Para Chris Chaim, o tabu da relação mulher e álcool está presente em todas as classes sociais, e fez parte de várias gerações. “Minha avó foi experimentar cerveja aos 90 anos, depois que meu avô faleceu. Porque na estrutura que ela estava não era permitido beber”, conta.

“Homem bêbado também é feio. O ser humano bêbado, descontrolado é feio. É desagradável, é chato”, afirma Chris, que ressalta ainda que a mulher pode se tornar vítima de mais abusos, bêbada ou sóbria, porque estamos num mundo machista, e não porque ela está alcoolizada. “Isso, infelizmente, é um problema mais do comportamento masculino do que nosso”, afirma.

A relação entre mulher e bebida alcoólica sempre foi tema de críticas e colocada como algo a ser combatido. Porém, esta nova geração de mulheres está provando que a interação entre o sexo feminino e bons drinks pode sim ser uma combinação mais do que positiva.

Idealizado por Michelly, a campanha Eu Bebo Sozinha trouxe à tona a discussão de que mulher pode beber um drink pelo prazer de beber, e que não deve ser julgada por isso. Graciela relembra que a campanha foi essencial para apontar que os julgamentos eram parte do universo machista. “Não acredito que mulheres ainda tenham o gosto exclusivo por coisas doces, algo que sempre foi taxado. E que mulher não poderia ir sozinha num bar, que se ela está sozinha ela quer que alguém vai falar com ela”, diz.

Mas o empoderamento não pode parar, mesmo com uma pandemia atrapalhando os projetos. Pouco depois de o caos chegar ao país, Michelly e outras bartenders (@chulabarmaid, @didateodoro, @miacrash13 e @thattak) criaram o coletivo Ada Coleman, que tem como principal objetivo ajudar mulheres bartenders em situação de vulnerabilidade. Com isso, o coletivo está fazendo campanhas para arrecadar 15 salários mínimos que serão doados à mulheres que perderam suas rendas com a chegada do coronavírus ao país.

Para Michelly, o momento é de ajudar. Mas ela conta que há um projeto posterior de capacitação de novas bartenders, com foco em mulheres e mulheres trans. “O coletivo quer ajudar financeiramente neste momento, ajudar a formar ou a talvez reformular conhecimento de mulheres para a área. Nosso foco sempre vai ser a mulher”, afirma.

Drinks na pandemia

Apesar de os drinks estarem relacionados ao entretenimento e ao prazer da interação que a bebida alcoólica pode trazer para o espaço social, a pandemia ressaltou o abuso no consumo por parte de algumas pessoas.

Esse abuso tem preocupado instituições internacionais de saúde, que chegaram a aconselhar a restrição na venda de álcool em alguns países. A discussão, portanto, deve girar em torno de como as marcas e influenciadores abordam a questão do consumo e como seus conteúdos podem ser algo negativo.

Para Chris Chaim, é importante que as pessoas que trabalham com tal produto falem sobre o consumo responsável. “Ao mesmo tempo que o álcool é uma coisa muito positiva e de celebração, ele é uma droga. E a gente sabe todos os males que o álcool pode trazer para uma família e uma sociedade”, afirma. “A comunidade de bartenders, os influenciadores, e até programas de televisão têm que falar sobre consumo responsável”.

Graciela complementa, alertando para o risco que a bebida pode trazer para nossa imunidade. “Não seria saudável [o consumo exagerado], até porque nosso corpo fica com a imunidade mais baixa”, diz.

Para Michelly, a bebida alcoólica deve ser tratada com a mesma seriedade que outras drogas são abordadas. “É uma droga legalizada que mata mais do que várias outras, e a gente finge que não acontece”.

Segundo a gerente de bares do grupo Tóquio, o consumo só será responsável ou menos danoso para a sociedade quando houver uma discussão mais séria e mais assertiva. “O consumo de álcool tem que passar por um processo parecido com a que indústria tabagista passou. Mas parece que com o álcool ninguém quer fazer essa discussão”, afirma.

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Carolina Pulice
Lado M
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Jornalista que adora discutir sobre tudo com todo mundo, e de escrever sobre todas essas coisas que se tem pra se discutir