Bruno preso: igualdade de deveres e destinos para 2 culpados pela justiça

Maria Beatriz Melero
Lado M

--

O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil decidiu pelo retorno do goleiro Bruno Fernandes à prisão. Por três votos a favor e um contra, a chamada Primeira Turma do STF deu uma segunda esperança aos que lutam pelo fim à violência contra mulher.

Formada cinco ministros do STF, a Primeira Turma não contou apenas com o voto do ministro Luís Roberto Barroso durante a sessão. Assim, a volta de Bruno recebeu os votos de Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Luiz Fux. Marco Aurélio Mello — responsável pela liminar que concedeu o habeas corpus preventivo a Bruno, em fevereiro — votou contra

Bruno deve se apresentar ao juiz da 1ª Vara Criminal de Varginha no início da tarde desta quarta-feira (26). O goleiro chegou a comparecer Delegacia Regional de Varginha (MG), após a decisão do STF, mas foi liberado logo em seguida porque o mandado de prisão não havia sido expedido pela Justiça até a tarde de terça.

A notícia do retorno de Bruno à prisão chega como um pequeno alívio para quem luta pelo fim da violência contra a mulher mas também lembra a todos que há muito a ser feito pelos que batalham pelo direito à vida, principalmente o da mulher. Afinal, Bruno vai retornar a cadeia por motivos processuais.

Quando o habeas corpus de Bruno foi solicitado pela defesa do goleiro, o argumento utilizado por seus advogados foi a de que o atleta recorria de uma sentença de primeira instância. Por esse motivo, sua prisão só seria possível caso ele fosse julgado em segunda instância, como manda a legislação brasileira.

Já o STF entendeu que o peso dado pela Constituição a uma decisão do júri nesse tipo de veredicto só é possível em caso de homicídios dolosos. Logo, Bruno vai voltar ao presídio para dar andamento em seu processo e cumprir (quem sabe) o restante da pena de 22 anos e 3 meses de prisão — dado por júri popular, pela morte de sua ex-companheira Eliza Samudio.

Ainda não foi confirmado para qual presídio Bruno será encaminhado. A hipótese é que ele permaneça na cadeia de Varginha, por residir no município — já que seus planos eram jogar pelo Boa Esporte Clube, o time de futebol da cidade.

Igualdade de deveres e destinos

A possibilidade de Bruno jogar pelo Boa, aliás, foi um dos pontos altos da história do goleiro. Uma narrativa que vem chamando a atenção da opinião pública desde o início da década.

O caso Bruno atrai os holofotes da mídia e se torna pauta das conversas dos brasileiros pela brutalidade que a vítima, Eliza, foi assassinada em 2010. A mesma atenção é dada para outro assassinato muito famoso no Brasil: o caso Yoki, no qual o empresário Marcos Matsunaga foi morto pela esposa, em 2012.

Nos últimos meses, tais casos estiveram em alta nas discussões da opinião pública graças aos diferentes rumos tomados pelos respectivos autores dos crimes: o goleiro Bruno Fernandes e a bacharel em direito Elize Matsunaga.

O que se discutia é que enquanto o jogador de futebol havia conseguido liberdade graças a liminar determinada pelo ministro ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), Elize permanecia na cadeia.

Agora, sabe-se que Bruno vai retornar para a prisão por decisão do mesmo STF e que Elize também deve cumprir a totalidade de sua pena até o fim. Igualdade de deveres e destinos para dois culpados pela justiça.

De vilão a ídolo?

Em tese, Bruno foi condenado, em 2013, a 22 anos e três meses de prisão pelo crime de homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), por sequestro e cárcere privado e ocultação de cadáver.

Contudo, em 24 de fevereiro de 2017, ele deixou a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), em Santa Luzia (MG), após a decisão do STF e dias depois de se despedir da Apac foi apresentado pela diretoria do Boa, como o novo reforço do clube para os próximos dois anos.

Apesar de responder ao processo em liberdade e existir desde o início a possibilidade de retorno para o regime fechado caso a liminar fosse derrubada, aos 32 anos, Bruno, o homem que mandou matar de forma cruel Eliza, teve uma grande oportunidade se transformar novamente em ídolo e retomar seus dias de grandes defesas dos tempos de Flamengo e Atlético-MG.

Afinal, uma das magias do futebol é a adoração que os jogadores despertam em seus torcedores ao fazer um gol bonito ou, no caso dos goleiros, ao realizar defesas espetaculares e inacreditáveis. Os atletas tornam-se grandes heróis.

E esta foi uma das grandes preocupações apontadas para quem defendia o respeito à memória de Eliza. Apesar dos protestos de mulheres em frente ao estádio do Boa, nas redes sociais, da perda de quatro patrocinadores e de ameaças do clube de deixar Varginha, a diretoria do clube não voltou atrás da decisão de manter Bruno em seu elenco — pois prevaleceu o investimento no atleta em detrimento à vida de uma mulher.

“Independente (sic) do tempo que eu fiquei também, eu queria deixar bem claro, se eu ficasse lá, tivesse prisão perpétua, por exemplo, no Brasil… não ia trazer a vítima de volta”, declarou Bruno à TV Globo Minas, ao sair da Apac.

De borralheira a borralheira

Exatamente um mês após o adeus de Bruno da Apac, o G1 divulgou o vídeo do julgamento de Elize, realizado em dezembro de 2016. Nas imagens, é possível acompanhar trechos do interrogatório de sete dias que aconteceu no Fórum da Barra Funda, em São Paulo, e que teve como veredicto a sentença de 19 anos e 11 meses de prisão para a advogada pelo assassinato e esquartejamento do marido.

Durante o julgamento, Elize respondeu às perguntas feitas pelo juiz, por seus advogados de defesa e pelos jurados do processo. A ré apenas se recusou a responder às perguntas feitas pelo Ministério Público. “Eles não querem saber a verdade”, argumentou a paranaense de 35 anos. A verdade sobre o que aconteceu na noite de sábado, 19 de maio de 2012 ainda é uma incógnita para quem acompanha o caso de Elize.

Se por um lado a promotoria de acusação argumentou durante todos esses anos que Elize matou seu companheiro por ciúmes provocado por um caso extraconjugal e para receber o dinheiro e bens do herdeiro da Yoki, por outro a defesa alega que Elize atirou em Marcos para se defender das agressões físicas que este cometeu durante uma discussão que o casal teve na noite do crime.

Fato é que prevaleceu a verdade apresentada pela promotoria, baseado em um laudo pericial que utilizou uma técnica contestada por pesquisadores da área há pelo menos trinta anos — como revelou a reportagem “Um crime célebre”, da revista Piauí, em janeiro deste ano — e o passado de Elize pesando na decisão do júri.

De acordo com o MP, Elize atirou em Marcos de cima para baixo, a cerca de 20 centímetros de distância, em uma posição que a vítima não tinha como se defender. A conclusão da cena foi dada pela perícia após estudo da trajetória da bala no corpo de Marcos.

Para estudar o caminho do projétil, o legista enfiou um palito no buraco feito pela bala para analisar a profundidade e origem do tiro. A técnica chamada “estilete” é questionável e a melhor maneira de analisar a trajetória da bala no corpo do ser humano é por meio de um aparelho de raio X, para que sejam investigadas as camadas de tecido perfuradas pela bala — uma vez que as carnes se reacomodam logo após o tiro.

Com o laudo e o passado da paranaense pobre, ex-garota de programa, ex-amante de Marcos — herdeiro de uma das maiores marcas do setor de alimentos — em um relacionamento extraconjugal por três anos, o MP ganhou a ação.

Logo, nos próximos 19 anos e 11 meses, Elize deve cumprir sua pena. Afinal, ela cometeu, sim, um crime e deve pagar por ele. Diferente de Bruno, não há liminar que permite a ela liberdade antes do cumprimento da pena. Diferente de Bruno, não existe a menor chance de transformação do modo como Elize é vista pela opinião pública e ao que tudo indica, ela deve passar quase duas décadas na prisão.

A pergunta que fica é: depois de cumprir sua pena, terá Elize a mesma oportunidade de ressocialização oferecida a Bruno? Depois de se ressocializar, terá Bruno se arrependido do crime que cometeu? É preciso acompanhar os próximos capítulos desses crimes célebres.

Originally published at www.siteladom.com.br on April 25, 2017.

--

--

Maria Beatriz Melero
Lado M
Writer for

Jornalista aqui e no VIX | Cria da ECA/USP | Pitadas de feminismo, comportamento, bem-estar e direitos humanos