Casa de Alvenaria traz vida de Carolina Maria de Jesus pós fama e críticas a Audálio Dantas

Diana Ribeiro
Lado M
3 min readSep 28, 2021

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A obra conta com passagens inéditas do diário da escritora e transparece tensão com o jornalista que a revelou

Eu cresci ouvindo todos os professores de literatura e demais intelectuais falando do livro Quarto de Despejo. A obra parece ser unanimidade entre os estudiosos, pelo menos entre os que eu conheci. O livro de estreia de Carolina Maria de Jesus foi um sucesso no seu lançamento em 1960 e traz uma mulher negra, mãe e pobre contando como era sua vida morando em uma favela.

A vida da escritora mudou radicalmente depois que o jornalista Audálio Dantas a “descobriu” e deu um empurrão para a publicação de seu primeiro livro, a tiragem inicial de 10 mil exemplares esgotou em uma semana. E é logo após esse sucesso estrondoso que Casa de Alvenaria começa a ser escrito.

Casa de Alvenaria

O livro, em formato de diário, tem início no dia 30 de agosto de 1960 com a mudança de Carolina Maria de Jesus. A autora que ficou conhecida por narrar como era a viver em uma favela começa a nova obra quando se muda com seus filhos para um “não quarto de despejo” em Osasco, na grande São Paulo.

Por ser um diário, o tom da escrita de Casa de Alvenaria é quase que confidencial. Entretanto, em nenhum momento eu tive a impressão de que a escritora estivesse preocupada de como aquelas palavras seriam interpretadas pelo público. O leitor acompanha o dia a dia de uma escritora recém-lançada que está colhendo os primeiros frutos (e mazelas) dessa fama.

Com uma escrita gostosa, Carolina Maria de Jesus conta amenidades da vida, como a viagem de trem que seus filhos sonhavam em fazer, reclama dos antigos vizinhos favelados e do café ruim do boteco e conta que vai cozinhar para as crianças porque eles não gostam da comida de restaurante. Mas ao mesmo tempo faz críticas a Audálio Dantas — e é aí que o livro mais chama a atenção.

Casa de Alvenaria não é uma obra inédita, mas o relançamento da obra pela Companhia das Letras trouxe trechos não vistos antes e a transcrição respeita a escrita original feita pela autora, o que incomoda no começo pela diferença na grafia de algumas palavras, mas não compromete o entendimento do texto.

Em alguns trechos do diário, a autora questiona o controle do jornalista em sua carreira e vida pessoal, o que motivou críticas de familiares e pesquisadores acerca do papel de Dantas em sua trajetória. Carolina se dizia acorrentada.

“Varias pessôas perçebeu que o Audalio colocou‑me num élo. Ate as minhas cartas ele abre. Isto é ousadia. Isto é falta de iducação. Começo a desgostar. Quando o branco auxilia o preto transforma o desgraçado em escravo.”

Desde o lançamento do Quarto de Despejo, Carolina e Dantas eram próximos, mas as tensões existentes entre eles nunca foram tão expostas como agora. Segundo a Carolina, era o jornalista que incentivava a autora a continuar escrevendo os diários para reunir material para um segundo livro, mas ela estava cansada.

“Ele anula todos desejos que apresento-lhe”.

Os diários foram escritos durante pouco mais de três anos, encerrando-se em 18 de dezembro de 1963. Casa de Alvenaria é dividido em dois volumes: Osasco e Santana.

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