Cat Person e Outros Contos traz realidades da geração Millenial

Thais Lombardi
Lado M
4 min readApr 21, 2019

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“Deitada na cama com Tamara mais tarde, a luz do telefone como uma fogueira iluminando seus rostos, Margot lia as mensagens enquanto elas chegavam:

‘ Oi Margot, hoje eu te vi lá no bar. Eu sei que você me pediu para não mandar mensagem, mas só queria dizer que vc estava linda. Espero que esteja tudo bem!

Eu sei que eu não devia falar isso mas tenho saudade de você

Sei lá, não sei se tenho direito de perguntar mas eu só queria que vc me falasse o que eu fiz de erado

*errado

Eu senti que a gente teve uma conexão verdadeira, não sei se você não sentiu

Talvez eu seja muito velho pra vc ou você pode estar com outra pessoa

Aquele cara que estava hoje com vc no bar era seu namorado

???

Ou é só um cara que tá te comendo

Desculpa

Aquela hora q vc deu risada quando eu perguntei se você era virgem foi porque vc já trepou com um monte de gente

Vc tá trepando com aquele cara agora né

Me fala

Sua puta.’”

De vez em quando, aparece um livro ou uma obra que reflete muito bem o Zeitgeist da nossa época. Seria uma pretensão minha afirmar que Cat Person e Outros Contos, de Kristen Roupenian, é essa obra, afinal não sou especialista em literatura ou em sociedade, mas posso dizer que esse livro é um documento importante para entender a nossa geração Millenial e o modo como nos relacionamos: tudo muito rápido, criando máscaras sociais por meio de aplicativos, desejos conflitantes e a dificuldade de se manter são no meio disso tudo.

Kristen Roupenian escreveu o conto que dá nome ao livro e até então era uma desconhecida, até que ele foi publicado no jornal “The New Yorker” e virou sensação com um conto que retrata uma relação típica dos dias atuais. Ela decidiu publicar esse conto junto com mais 11 que seguem esse mesmo ritmo de temas atuais como poder, relacionamentos tóxicos, virtuais, submissão, consentimento, amores proibidos e questões acerca da sexualidade.

Os contos são permeados de um humor sutil e ao mesmo tempo um desconforto pela rápida identificação em algumas situações: o relacionamento abusivo, o cara que acha que é legal mas na verdade é igual a todos os outros, a culpa feminina em terminar um relacionamento e culpa e solidão materna em não dar conta de tudo e não ter uma rede de apoio.

A autora também traz um conto sobre uma aldeia no Quênia e o desconforto do homem diante de mulheres com as quais ele não sabe lidar, com um toque de terror e suspense, ele nos deixa a cada frase mais apreensivos. Um bem diferente é conto de fadas desconstruído sobre uma princesa que tem tudo, menos amor. Até que encontra o seu par de uma forma peculiar e destruidora.

O conto

O conto que nomeia o livro começa de forma clichê e até nos lembra dos filmes de comédia romântica: a moça conhece um rapaz interessante na fila do cinema e aí eles começam a conversar e sair. Margot é uma jovem de 20 anos e Robert tem 34, mas a idade não parece ser um empecilho para os dois, apesar do visível desconforto que eles apresentam quando estão juntos — diferente dos papos animados que aconteciam pelo celular. O romance evolui, mesmo que Robert por várias vezes tente a colocar pra baixo. Até que eles trocam o primeiro beijo desajeitado e tentam transar, uma ideia que não foi muito boa.

Mesmo contrariada, ela continua com o sexo. Consentido, mas desagradável, com ele a tratando feito uma boneca ou como se estivesse em um filme pornô.

Mesmo assim, ela fica com peso na consciência de terminar com um cara legal (e ruim de cama) sem que ele saia machucado, mas mesmo assim ela termina e ele aceita. Até que ele a vê num bar e se transforma em um homem inseguro e um tanto perigoso quando começa a enviar mensagens ameaçadoras.

Será que nós percebemos quando somos manipuladas? Quando é que o homem legal se transforma no monstro? Ou será que ele sempre foi?

Não são contos que possuem uma lição de moral ou conselhos, parecem histórias que foram repassadas oralmente para compartilhar uma experiência sua ou de alguém perto. Talvez seja por isso que Cat Person viralizou: identificação com histórias próximas e reais. Sem metáforas, diretas, com um pouco de humor e muitas vezes muito perigosas.

Título original: YOU KNOW YOU WANT THIS
Tradução:
Ana Guadalupe
Capa:
Claudia Espínola de Carvalho
Páginas: 256
Selo: Companhia das Letras

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Thais Lombardi
Lado M
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Cineasta, redatora, revisora, feminista e vegetariana. Gosta de ler, gatos, fazer crochê e destruir o patriarcado.