Como é ser uma fotojornalista de guerra: conheça Andreja Restek

Carolina Carettin
Lado M
3 min readDec 19, 2016

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A série Linha de Frente traz entrevistas com mulheres fotojornalistas que cobrem guerras e conflitos ao redor do mundo. A primeira reportagem é com Andreja Restek, croata que mora na Itália e recentemente organizou uma exposição com o trabalho de 14 fotógrafas de guerra.

“Eu me senti muito feliz, minhas mãos tremiam, meu coração batia rápido e eu estava com medo, mas isso foi há muitos anos atrás”.

Andreja Restek se lembra de seu primeiro trabalho como fotojornalista. A pauta era sobre os direitos das mulheres.

Anos depois, ela organiza uma exposição em Turim, Itália, que estará aberta até 17 de janeiro de 2017 e que reúne o trabalho de 14 mulheres fotojornalistas, chamada In prima linea — Donne fotoreporter in luoghi di guerra (tradução livre: Na linha de frente — Mulheres fotorepórteres em locais de guerra). “A ideia inicial era cobrir o maior número de países e nacionalidades de fotojornalistas que fosse possível com o intuito de alcançar uma visão global”, conta. Entre as fotógrafas está Camille Lepage, morta enquanto trabalhava na República Centro-Africana. “Este é um trabalho muito perigoso. A família da Camille disponibilizou o trabalho dela, então de alguma forma ela está conosco”.

Por conta do perigo, esse trabalho ainda é muito relacionado à imagem dos homens. Andreja relata algumas situações em que foi tratada de forma diferente por conta de seu gênero, principalmente em países do Oriente Médio. “[Nessa região] eles realmente acreditam que as mulheres não são capazes de realizar alguns trabalhos, mas depois ganham sua confiança e, se você respeitar as regras deles, eles acabam te respeitando também. Demoram mais para se abrir, não é imediato, então você tem que ir aos poucos, mas quando acontece conseguimos fazer trabalhos ótimos”, conta.

Andreja diz que a relação com grupos extremistas tende a ser mais complicada. “Os mujahideen da Síria acharam divertido me ameaçarem de morte, convencidos de que isso me faria correr de medo. Um colega que estava comigo não foi ameaçado, simplesmente por ser homem”, relata. “Uma outra situação em que fui tratada de forma diferente foi a primeira vez em que cheguei em Aleppo, também na Síria. No primeiro dia, sem explicação, eu não tive permissão para fotografar, enquanto meus colegas homens puderam”.

Foi na Síria também que Andreja acredita ter passado pela situação mais perigosa de todos seus anos de trabalho. Ela estava em Aleppo e teve que fugir da cidade depois do Estado Islâmico capturar um jornalista americano.

E mesmo com todo perigo, por que ela escolheu essa profissão? Por conta de uma guerra que aconteceu próximo à Croácia, seu país de origem: a dos Balcãs. “Eu acredito que nós, como repórteres, temos que documentar e contar o que está acontecendo no mundo com honestidade. Então a minha personalidade apareceu e eu não me imagino fazendo outra coisa. Eu amo meu trabalho e tenho sorte de ter a possibilidade de fazê-lo”, afirma.

Já quando decidiu que trabalharia como fotojornalista, Andreja sentiu as dificuldades de ser mulher na área. Desde sempre foi apaixonada por arte e fotografia, mas trabalhar nessa área na Iugoslávia não era fácil por conta da mentalidade machista do país e por ser muito caro. “Quando cheguei à Itália me tornei o que sempre quis, uma repórter. Eu trabalho como repórter de guerra há 15 anos, quando me senti pronta para fazer isso. É preciso muito para fazer um trabalho como esse, você tem que estar preparado e saber sobre geopolítica, a história e cultura dos países aos quais você quer ir”, diz.

Hoje, Andreja administra o site APR News, que monitora o terrorismo e os grupos terroristas de todo o mundo, e colabora com diversos jornais e empresas italianos e internacionais. Uma única coisa não mudou em todos esses anos de trabalho: suas mãos ainda tremem e o coração nunca deixa de bater rápido. “Eu sempre digo para mim mesma que quando essas sensações desaparecem, vou parar de fazer meu trabalho”.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 19, 2016.

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Carolina Carettin
Lado M
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Jornalista, caipira de Araras, interior de São Paulo. É bailarina desde criança, ama ler e é fã da Rita Lee.