“Como nossos pais”: a mulher contemporânea estrela um filme

Thaís Matos Pinheiro
Lado M
Published in
4 min readMar 23, 2016

Laís Bodanzky é mulher, paulistana, 47 anos, casada, mãe e premiada diretora. Maria Ribeiro é mulher, carioca, 40 anos, casada, mãe de dois meninos, atriz, apresentadora e diretora. Diretora e atriz embarcam juntas num filme que poderia ser sobre uma delas — ou qualquer uma de nós: o longa Como nossos pais (2017).

O novo filme de Laís Bodanzky estrelado por Maria Ribeiro traz como personagem central essa mulher que conhecemos tão bem: a que lida ao mesmo tempo com a profissão, a família, os filhos, as responsabilidades, a jornada dupla e que quase não tem tempo pra aspirações pessoais, sonhos, dúvidas, medos e prazeres. O filme leva à tela do cinema a mulher contemporânea e real.

A protagonista é Rosa, de 38 anos, que se encontra em uma fase peculiar de sua vida, marcada por conflitos pessoais e geracionais: ela precisa desenvolver sua habilidade como mãe, manter seus sonhos, seus objetivos profissionais, enfrentar as dificuldades do casamento e a difícil relação com os pais. Após uma revelação feita por sua mãe, ela resolve rever tudo na sua vida.

O filme trata com sensibilidade a mulher e seu papel na sociedade. Mostra a busca e a descoberta, o desejo e a conquista, a mulher por trás dos papéis que desempenha, ela enquanto ela mesma. “São as mulheres a minha volta”, diz a diretora.

Seu filme é sobre o cotidiano, e a sensibilidade e eficácia com que ela o penetra são as marcas que garantem a qualidade. “Só uma mulher poderia ter feito esse filme”, afirma Maria.

Para mergulhar no universo da Rosa, Maria não precisou ir longe. “Minhas amigas e eu passamos por essa crise, por essa autodescoberta. E hoje somos as heroínas das nossas vidas. Não somos super mulheres, mas mulheres reais. Eu olho pra fora e está cheio de Rosas”, constata. “Quando ela briga com o marido e fica de saco cheio, nem preciso buscar fora, a Rosa sou eu”, ela brinca e ri.

A atriz está muito à vontade no papel e defende sua personagem com paixão. Tanta conexão não se deu por acaso. “Escolhi a Maria porque ela é essa mulher forte, trabalhadora e antenada, e está toda semana falando sobre mulheres para mulheres” [a atriz apresenta o programa Saia Justa, no canal GNT], conta a diretora.

Além de Maria, o filme traz no elenco Paulinho Vilhena, Clarice Abujamra, Herson Capri e Felipe Rocha. O roteiro é assinado por Luiz Bolognesi e Laís Bodanzky, e a produção é da Gullane e da Buriti Filmes, com coprodução Globo Filmes e distribuição Imovision.

O filme

Nós do Lado M visitamos o set de filmagens e acompanhamos a gravação de uma cena. Aqui, eu conto um pouquinho de como foi essa experiência.

O processo de filmagens começou no carnaval deste ano e tem previsão de durar até o final de março. O filme já foi rodado em Brasília, São Paulo e fará sua última parada em Ilhabela, litoral norte paulista.

No set, muitas câmeras e pessoal, em um clima de velhos amigos e descontração. Maria e Paulinho, que encarnam o casal principal do longa, são realmente amigos de longa data e já dividiram a cena em outros trabalhos. A relação deles com Laís também perpassa essa confidencialidade.

Quando ligam-se as câmeras e a diretora dita: gravando!, a descontração dá lugar à densidade da cena. Acompanhamos o casal em um terapia, um momento tenso em que a esposa desnuda suas angústias.

A cena é gravada inúmeras vezes, com ângulos de câmera diferentes, e com emoções diferentes também. Ora raiva, ora choro, ora pausa. Ora ele em foco, ora ela. Os atores estão à vontade para criar, mas a diretora dá o compasso. Intervém, pede, negocia e eles trabalham juntos, em harmonia, criando a peça final.

Entre um take e outro, piadas, olhadelas no celular, descanso, conversas, considerações sobre o trabalho; e volta tudo outra vez.

A diretora trabalha nos detalhes, nos closes, nos olhares e no não-dito. O drama, os relacionamentos e os conflitos internos tomam conta do set. Quando a cena é finalizada, os ombros se relaxam, a equipe comemora com olhos apertados o fim de mais uma etapa. É o filme tomando forma.

Mulher no cinema

A Ancine (Agência Nacional do Cinema) divulgou no inicio desse ano uma pesquisa que revela a disparidade de gênero na produção audiovisual brasileira. O estudo analisou mais de 2600 obras do Certificado de Produto Brasileiro em 2015 e constatou que 74% dos trabalhos de direção foram realizados por homens e apenas 19% por mulheres. 65% dos roteiros foram feitor por autores, ante 23% por autoras.

Laís conta que não sentiu na pele essa diferença. “Eu tive sorte. Resolvi fazer cinema, sempre pensei em dirigir e não parei pra pensar sobre o que significava ser uma mulher no cinema e nem em quantas mulheres atuam na indústria do audiovisual. Só percebi agora, porque os números vieram”.

O choque dos números ilumina, a diretora se enxerga. “Achei fundamental perceber quem eu era no todo e ter essa consciência”. Para ela, é vital que se fale sobre isso, que se debata a pouca quantidade de mulheres, principalmente na parte autoral. “Se a gente não começar a falar sobre isso, vai atrasar mais ainda a entrada das mulheres”, apela.

Originally published at www.siteladom.com.br on March 23, 2016.

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