Como PEC 55, antiga 241, deve impactar a vida das mulheres

Lado M
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Vivemos em uma época de dualismo na política brasileira: se analisarmos mais profundamente, os discursos políticos caem sempre no “bem” ou “mal”. No percurso do impeachment da presidente Dilma Rousseff, isso ficou mais em evidente e agora vivemos continuadamente essa questão.

Prova disso é a Proposta de Emenda Constitucional 55/2016, antiga PEC 241, de autoria da equipe econômica do governo Temer, que pretende implantar um Novo Regime Fiscal para fixar um teto anual de gastos públicos para os próximos 20 anos nos três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo, incluindo Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, e que vem levantando um grande debate.

Os discursos de “bem” ou “mal” são reducionismos que acabam prejudicando a capacidade de construir uma opinião sobre determinado assunto. Por isso, no momento de criar um posicionamento é preciso analisar os fatos, é necessário ouvir os diversos lados e, especificamente no caso da sobre a PEC 55, é preciso saber as consequências e questionar: afinal, essa proposta terá algum impacto na vida das mulheres?

Vamos aos fatos

O governo Temer enfatiza que é necessário mudar o rumo das contas públicas para que o Brasil consiga estabelecer a confiança dos gastos e dívida pública para retomar o crescimento. Segundo o Banco Central, em 2015, a dívida pública brasileira fechou em 66,2% do PIB.

Para mudar esse cenário, o governo criou a PEC 55. No entanto, a proposta tem como objetivo mudar a Constituição que vigora desde 1988, um marco democrático na história do Brasil, e que estipula porcentagens mínimas de gastos públicos para educação, saúde, assistência social e diversas outras áreas visando promover a justiça social.

De acordo com a constituição, o Governo Federal precisa obrigatoriamente repassar 13,2% da sua receita líquida para saúde. Já para educação, o gasto mínimo é de 25% das receitas tributárias dos Municípios e Estados e 18% dos impostos federais. Com essa obrigatoriedade, em 2014, por exemplo, os gastos com educação foram de R$ 91 bilhões e para saúde R$ 93 bilhões, segundo dados do Portal da Transparência do Governo Federal. Já em 2015, foram R$ 94 bilhões para educação e R$ 100 bilhões para saúde.

Um dos pontos de amplo debate sobre a PEC é que ela possa acabar reduzindo drasticamente os gastos públicos para essas áreas a partir de 2018, ano que começa a valer o teto para educação e saúde. Com a proposta, não haverá mais uma porcentagem mínima garantida constitucionalmente para os gastos na saúde, educação e assistência social.

Os valores de investimentos nessas áreas serão estipulados a partir das despesas primárias do ano anterior, que serão corrigidas pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas o que isso significa? Vai ou não ter redução nos gastos públicos?

Bom, há controvérsias. Para alguns especialistas, os investimentos nessas áreas devem se manter constantes. Raphaela Makki, consultora financeira pela Universidade de São Paulo (USP), explica que o que se gastou em 2015 será gasto em 2016 com acréscimo da inflação. Com os dados do investimento da Fazenda, a especialista aponta o quanto foi investido em saúde no ano de 2014 e 2015 e como seria esse investimento no mesmo período, caso existisse a PEC.

De acordo com seu levantamento, em 2014 houve investimento na saúde de R$ 77 bilhões e em 2015, de R$ 82,6 bilhões. Caso houvesse a PEC, ela destaca que haveria investimentos de R$ 78 bilhões em 2014 e R$ 85,2 bilhões em 2015. “O que realmente é afetado [com a PEC]: autonomia de fazer concursos públicos e licitações; aumento de salários públicos e benefícios e pena de não ter verba quem não tiver a contabilidade em dia e explicada”, enfatiza.

O manifesto “Austeridade e Retrocesso”, divulgado por economistas, destaca que a PEC visa reduzir as despesas primárias do governo em aproximadamente 20% do PIB em 2016 para cerca de 16% do PIB até 2026 e de 12% em 2036.

O resultado dessa questão pode ser observada através da explicação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que divulgou uma nota no qual faz uma estimativa da perda dos gastos na saúde, caso a PEC estivesse em vigor a entre 2003 a 2015. Segundo o CNS, durante esse período a saúde teria uma perda total de R$ 314 bilhões.

Caso haja redução nos gastos, qual será o impacta na vida das mulheres?

Danusa Maques, pesquisadora do Demodê — Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades e professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, destaca que para analisar essa questão é preciso considerar que as mulheres não estão, enquanto grupo social, no “topo” da hierarquia, e sim em posição desprivilegiada.

“As mulheres sofrerão impactos se for congelado o investimento em políticas públicas que as atendam. O impacto é diferenciado entre as mulheres, é claro. Assim, as mulheres que enfrentam maiores dificuldades e têm indicadores sociais mais baixos, como as mulheres negras e as mulheres trabalhadoras, sofrerão ainda mais com a falta de investimento em políticas que as atendam”, analisa.

A pesquisadora enfatiza que isso não significa que mulheres brancas e ricas não sofrerão nenhum impacto. Ela destaca que é preciso ter em mente que a precarização das universidades federais, o congelamento dos concursos públicos, a falta de investimento em ações de promoção de igualdade de gênero, por exemplo, podem afetá-las. Entretanto, em sua analisa as mulheres em situações mais vulneráveis sofrerão mais rápido.

Uma exemplificação da questão do impacto da vida das mulheres negras e trabalhadoras abordada por Marques é que em 2015, 14 milhões de famílias foram atendidas com o bolsa família. Lembrando que o pagamento é realizado somente para as mulheres e que isso tem um grande impacto em suas autonomias. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, das 14 milhões de famílias que recebem o auxílio, 68% delas são chefiadas por mulheres negras.

No Manifesto “Austeridade e Retrocesso”, os economistas destacam que para cumprir o teto, o governo terá que encolher algumas despesas. “Os demais gastos (como Bolsa Família e investimentos em infraestrutura) precisarão encolher de 8% para 4% do PIB em 10 anos e para 3% em 20 anos, o que pode comprometer o funcionamento da máquina pública e o financiamento de atividades estatais básicas”, destacam.

Em relação à saúde, a redução de gastos públicos pode impactar na luta pela redução da mortalidade materna. Segundo o Ministério da Saúde, atualmente há no Brasil 62 casos a cada 100 mil nascimentos. Apesar da redução dos casos nos últimos anos, há um meta definida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), da Organização das Nações Unidas (ONU), que estipula para o Brasil uma taxa de 35 mortes por 100 mil nascimentos.

Uma questão muito importante que deve ser levada em consideração sobre o funcionamento dos serviços e o impacto na vida das mulheres é: o que está ruim continuará ruim? “Acho que as coisas vão piorar, porque os problemas continuarão chegando, sem resposta possível e dinheiro disponível para solucioná-los. Haverá precarização dos serviços públicos (aqueles que já não são uma maravilha) e fim do investimento em áreas carentes. Fim de investimento não é só fim do dinheiro — é fim da priorização (ou possível priorização) dessas questões, fim de planejamento”, reponde Marques.

Vale ressaltar sobre o impacto da redução dos gastos públicos na vida das mulheres. Em 2015, segundo o Ministério da Educação (MEC), 600 mil crianças na faixa etária de 4 a 5 anos não tinham recebido atendimento para frequentar a pré-escola. Assim, como as creches que atendem crianças de 0 a três anos, o atendimento pré-escola é fundamental para que as mães tenham onde deixar seus filhos e possam trabalhar e estudar.

“A população mais vulnerável é quem sofrerá com cortes de investimento em áreas como saúde, educação e política social. Os indicadores socioeconômicos mais baixos, que expressam maior vulnerabilidade social são referentes à população negra, principalmente as mulheres negras, então elas sofrerão mais com essas medidas. Acho que é importante ressaltar que as políticas de saúde, educação e de desenvolvimento social são fundamentais para a sociedade como um todo e nos afetam a todos/as, mas quem precisa de atendimento mais imediato é quem sofrerá de forma mais contundente e urgente essas medidas”, frisa a pesquisadora.

Há outra maneira de equilibrar as contas do governo?

Para Raphaela Makki, consultora financeira formada pela Universidade de São Paulo (USP), não há outra maneira de enfrenta o problema. De acordo com seu ponto de vista, a PEC é a única tentativa séria que irá sufocar a população amarrando seus representantes que não sabem gastar ou parar de roubar.

“Os benefícios sociais vão decair forçando um controle de gastos e uma melhoria nos gastos. É um jeito de controlar a inflação e o crescimento da Federação como órgão administrativo que desde dos 90 não para de crescer e sugar a receita. Deve aumentar a participação do privado nas soluções pequenas dos problemas sociais”, diz a especialista.

Já Danusa Maques, pesquisadora, é categórica sobre a questão do equilibro das contas por meio da PEC 241. “Quando o governo diz que é preciso ‘cortar na carne’, ‘fazer sacrifícios’, está dizendo que é a população mais vulnerável quem vai ter sua carne cortada e sacrificada. Privilegiados pagam por serviços, resolvem problemas no mercado. Marginalizadas, que não têm meios para resolver seus problemas privadamente, veem seus direitos de cidadania serem sacrificados, são excluídas e invisibilizadas”.

Para os economistas criadores do Manifesto “Austeridade e Retrocesso”, uma outra maneira de enfrentar a atual situação economia do Brasil seria a reforma tributária progressiva. “Os grandes empresários têm sido historicamente beneficiados pelo nosso sistema tributário ao pagarem menos imposto relativamente à renda do trabalhador da classe média que um trabalhador da classe média e que, no período recente, receberam do governo bilhões de reais em subsídios e desonerações”, afirma o documento.

Situação atual da PEC 55

A proposta foi aprovada no Senado nos dois turnos

Última atualização da reportagem: 13 de dezembro de 2016.

Originally published at www.siteladom.com.br on November 30, 2016.

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