Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis, de Jarid Arrae

O resgate da narrativa de mulheres que construíram nossa história

Lado M
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4 min readDec 2, 2020

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O protagonismo negro foi invisibilizado, questionado e punido, tendo sua memória coletiva distorcida, como bem apresenta o prefácio de Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis, lançado em 2017 com recorde de vendas. Em combate ao apagamento da narrativa negra feminina, os cordéis sensíveis e geniais de Jarid biografam mulheres absolutamente marcantes: Dandara dos Palmares, Aqualtune (avó de Zumbi), Carolina Maria de Jesus e outras mais. Todas as 15 mulheres são homenageadas por sua resistência, por sua coragem e seus talentos.

“Porque não aprendemos sobre essas mulheres, não ouvimos falar das lutas que travaram, das conquistas que tiveram e que nos beneficiaram de modo geral, a todos. É também uma forma de combater mentalidades machistas e racistas, pois estamos tão habituados a vermos homens brancos como grandes conquistadores, desbravadores, intelectuais e escritores, que é quase como se nosso inconsciente coletivo pensasse que mulheres negras nunca fizeram contribuições do tipo para a humanidade.”

A reprodução da narrativa única eurocêntrica reforça um olhar enviesado para a história, reproduzindo uma versão excludente dos fatos e perpetuando estereótipos de gênero e raça. Muitas pessoas crescem sem referências de heroínas negras. Mas elas existem. Estão perto de nós, no antes e no agora.

Este livro é um trabalho necessário de uma autora comprometida com recontar a história de forma justa e plural. Depois de alguns anos de pesquisa, Jarid fez nascer uma obra que é uma reverência às ancestrais esquecidas de nosso país. O livro também carrega as influências culturais sob as quais a autora cresceu: a xilogravura e o cordel, ambos presentes nas raízes de sua família.

O projeto gráfico foi feito por Gabriela Pires. Confira mais aqui.

Jarid é cheia de histórias pra contar

A escritora, cordelista e poeta nasceu em Juazeiro do Norte (CE) em 1991 e tem mais de 70 títulos publicados em literatura de cordel. As lendas de Dandara foi seu primeiro livro publicado (2015), com tiragem esgotada em menos de um ano. Em 2018, ele ganhou uma tradução francesa: Dandara et les esclaves libre, publicado pela editora Anacaona na França. Seu primeiro livro de contos Redemoinho em dia quente (2019) foi vencedor do APCA de literatura na categoria Contos, foi finalista do Jabuti e apareceu em algumas das listas de “Melhores livros de 2019”. Sua escrita genuína vem galgando uma lista cada vez maior de participações em eventos e projetos de renome.

Jarid foi ativa em muitos blogs antes de dedicar-se à literatura. É lindo e coerente a quantidade de coletivos e movimentos nos quais participou ou ajudou a fundar. Ela também não se contentou com dar voz apenas para a sua própria escrita. Em 2015, ela criou o Clube da Escrita para Mulheres: um coletivo de escritoras que ajuda mulheres que querem escrever e publicar, com oficinas de escrita para mulheres na cidade de São Paulo.

“[…] aposto no poder coletivo de juntar mulheres que escrevem e questionam o machismo e o racismo do mercado editorial, dos eventos literários, assim produzimos muita mudança e afirmamos que as obras escritas por mulheres são relevantes, são de qualidade e que não vamos aceitar o ‘mais do mesmo’ que ainda domina esse mundo da literatura.”

No final do livro, Jarid deixa páginas destinadas para que o leitor crie seu próprio cordel contando a história de uma heroína negra que marcou sua vida. Ela também convida o leitor a enviar o cordel para seu contato por e-mail e a compartilhá-lo nas redes usando a hashtag #HeroínasNegras, o que demarca sua busca por fazer com que o movimento de resgate dessas mulheres seja coletivo, seja de todos e para todos.

Xilogravuras das heroínas.

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