(Créditos: Barnard College)

Conheça Margaret Mead, uma antropóloga além do seu tempo

Mariana Miranda
Lado M
Published in
5 min readJun 25, 2015

--

O avião pousa na distante Samoa, no Oceano Pacífico. Uma jovem mulher de nome Margaret Mead, com pouco menos de 25, desce com seu chapéu, óculos escuros e vestido longo. Ela diz, em inglês americano, que é uma antropóloga, mas os nativos não entendem o que isso significa. Afinal, o estudo sobre o homem e a humanidade não faz parte do cotidiano do vilarejo, muito menos traz alimento à boca quando a fome bate.

Margaret diz que veio estudar a sociedade deles, principalmente as mulheres, durante seis meses. Porém, em sua cabeça, a jovem sabe que consegue abordar muitos outros assuntos além da sociedade desse povo: ela quer falar sobre aborto, bissexualidade, legalização da maconha, sexo, alcoolismo, meio ambiente, passado, presente e futuro. Temas normais para grande parte das mulheres no século 21. Contudo, o ano era 1926.

As mulheres de Samoa

Margaret Mead nasceu na Filadélfia em 1901, filha de um professor de economia e de uma ativista social, e a mais velha de quatro irmãos. Se formou em sociologia pela Barnard College e foi para a Universidade de Columbia fazer mestrado. Em 1925, Margaret começou suas viagens para as ilhas da Polinésia, onde fica Samoa.

(Margaret Mead em Samoa. Créditos: Quora)

Era sua primeira pesquisa de campo. Nessa expedição, a antropóloga visava o estudo do gênero, especialmente o feminino. Ela queria responder a seguinte questão: as características ditas por femininas e masculinas refletem diferenças biológicas ou condições culturais?

Durante sua estadia de seis meses em Samoa, Margaret conversou com diversas mulheres, desde adolescentes até idosas, sobre suas vidas e relacionamentos. Ela perguntava se namoravam, se já tinham menstruado, se tinham uma vida sexualmente ativa e por aí vai. Com isso, encontrou um estilo de vida muito distinto do americano: mais tranquilo e despreocupado.

Naqueles tempos, Samoa era um lugar onde o crescimento acontecida calmamente, e as mulheres não se preocupavam em achar um parceiro fixo logo: desfrutavam do sexo em quantidade de qualidade, com diversos parceiros. E não havia problemas com isso.

Quando acabou sua pesquisa, Margaret retornou ao EUA para escrever seu primeiro livro: Adolescência, sexo e cultura em Samoa (Coming of Age in Samoa). O livro tornou-se um best seller, porém foi visto por alguns como impuro, um verdadeiro “livro sobre sexo”. Além disso, a autora sofreu duras críticas a cerca de sua pesquisa, já que durante sua estadia em Samoa ficou na casa de um casal de americanos. Para alguns, isso basta para dizer que a antropóloga não viveu a fundo a experiência como retrata em seu livro.

As crianças da vila Pari

Entre 1928 e 1929, Margaret foi para Nova Guiné, onde estudou o povo da vila Pari, em Manus. Dessa vez, Margaret viveu em meio ao povoado, e não em uma casa de americanos. Dedicou a sua estadia para o estudo das crianças daquele povoado: quanto uma criança é educada para se diferenciar de seus pais? Ou ela é criada para seguir exatamente os mesmos passos? Durante sua pesquisa, percebeu que as crianças da ilha agiam de um modo bem prático antes de espiritual.

Em 1930, publicou Crescendo na Nova Guiné e, em 1935, Sexo e temperamento em três sociedades primitivas, tratando das tribos que estudou na Nova Guiné. Entre 1946 e 1953, Margaret Mead contribui para a consolidação da teoria cibernética, e em 1954 trabalhou como professora adjunta na Universidade de Columbia, a mesma onde fez o mestrado. Durante esse período de guerras, a influência americana foi grande em boa parte das sociedades estudadas por Margaret.

“Em 1967, voltei a aldeia Tambuman, no rio Sepik, na Nova Guiné. Em muitos sentidos o progresso não havia chegado. […] Porém havia alguma mudança. Na década de 30, quando um estrangeiro chegada a uma aldeia na Nova Guiné, a primeira coisa que os nativos pediam eram medicamentos para alguém com uma ferida infectada ou uma lesão grave, ou mercadorias como lâminas de barbear e anzóis para pescar. Acreditavam que o europeu deveria trazer objetos do mundo exterior e que, se ficasse na aldeia, devia ajudar os moradores a conseguir esses objetos. Porém, em 1967, a primeira pergunta foi:
— Tem um gravador?
— Sim, por quê?
— Ouvimos na rádio as canções de outras aldeias e queremos que eles escutem as nossas também.”

Colunista da Redbook

Em 1969, Margaret começou a escrever ensaios para a revista Redbook, uma revista destinada a mulheres jovens. Durante seus 10 anos como colunista, ela escrevia 12 artigos por mês, sem nenhum atraso, sobre os mais variados temas: a mulher no mundo de hoje, a família americana, crianças e transições.

Margaret abordava temas polêmicos para a época, como o aborto e a legalização da maconha. Sey Chassler, redator chefe da revista, disse: “A cada três ou quatro anos reuníamos em nossa redação um pequeno grupo de nossas leitoras para um encontro com Margaret e Rhoda Metraux. Elas falavam sobre o que é ser mulher, sobre o que é ser esposa e mãe, ou ser solteira e sem filhos. Falavam do potencial que existe nas mulheres e de como usá-lo”.

“A controvérsia em torno do aborto, ao meu ver,
diminuiu a nossa consciência da transformação real
que está ocorrendo em nosso modo de pensar.
Na verdade, ter filhos já não é considerado um acompanhamento
inevitável da idade adulta e do casamento,
mas uma opção séria e ponderada”.

Quando falava especificamente sobre mulheres, Margaret tratava muitas vezes das mudanças na própria sociedade americana. Naquele período, as mulheres, principalmente as jovens, começavam a buscar outros caminhos além de casar e ter filhos. Não contentando-se com a função de donas de casa, elas procuravam outras saídas através dos estudos para, assim como o homem, alcançar a independência e seus lugares no mercado de trabalho.

“A questão não é que devamos esperar uma nova divisão de sexos na vida social ou no mundo do trabalho. A questão é que as mulheres como indivíduos querem ser tratadas como gente — como seres humanos completos. Por enquanto o alvo principal são os homens: eles é que são acusados de tratar as mulheres como cidadãos de segunda classe. Para algumas eles são ‘o inimigo’. Mas nós só nos tornaremos seres humanos completos, a meu ver, quando nós mesmas soubermos tratar-nos mutuamente como seres humanos completos, dignos de confiança e respeito das outras mulheres”.

A morte de Mead

Margaret Mead morreu em 1978, em Nova Iorque. Durante sua vida publicou mais de 10 livros, casou-se três vezes, teve uma única filha, foi avó e principalmente, uma mulher liberal e extremamente inteligente.

Quando o telegrama informando de sua morte chegou em uma das aldeias da Nova Guiné, os moradores mais antigos ficaram desconcertados, chorando por dias e dias seguidos na casa onde ela morava. “Margaret Mead adorava rir. Margaret Mead adorava explicar coisas às pessoas. Margaret Mead projetava-se para além de si mesma. Ela não era ambígua. Entregava-se inteira. Deixava que as pessoas fossem o que eram, e esperava que o fossem”, conta Chassler.

Siga a gente: Instagram e Facebook

Originally published at www.siteladom.com.br on June 25, 2015.

--

--

Mariana Miranda
Lado M

Formada em Jornalismo pela ECA-USP e cofundadora do Lado M