Conheça o livro Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles

Fernanda Maranha
Lado M
Published in
4 min readMay 3, 2017

Antes do Baile Verde é uma reunião de 18 contos de Lygia Fagundes Telles, reconhecida autora brasileira, que foi a terceira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1985 — tomando posse em 1987, já aos 64 anos.

Sem nunca antes ter lido obra alguma da Lygia, logo me interessei pela proposta do livro, primeiramente por ela ser uma escritora mulher e brasileira e, em segundo lugar, por eu ser uma apaixonada por contos. Me encantam as histórias que se desenvolvem completamente, com começo meio e fim e até mesmo personagens complexos, em apenas algumas poucas páginas, nem sempre fáceis.

Em menos de oito páginas, a autora começa e termina a primeira história de Antes do Baile Verde: “Os Objetos”. Durante as páginas, um casal, em um ambiente familiar, conversa e reflete sobre objetos comuns e suas funções, além de momentos passados da vida do casal, o que leva o leitor à reflexão também.

“Pois saiba o senhor que muito mais importante do que sermos amados é amar, ouviu bem? É o que nos distingue desse peso de papel[…]”, diz a personagem feminina do conto, Lorena, em um momento de impaciência em meio a discussão com o esposo.

Os contos reunidos em Antes do Baile Verde foram escritos entre 1949 e 1969, entre eles, o que dá nome ao livro: “Antes do Baile Verde”, que inicia narrando duas mulheres — Tatisa e a empregada, Lu — se arrumando para um baile de carnaval, enquanto conversam sobre a fantasia e assuntos banais. Em meio a isso, uma revelação:

– Você acha, Lu?

– Acha o quê?

– Que ele está morrendo?

Depois disso, a conversa enquanto ambas se aprontam para o Baile Verde oscila entre o delicado estado de saúde do pai de Tatisa e temas do cotidiano. Durante a leitura você acompanha as duas, como se estivesse com elas, querendo saber qual será o desfecho.

Um dos meus contos preferidos, o que realmente me fez encantar pelo texto de Lygia foi “Apenas um Saxofone”. O conto centra em uma mulher de 44 anos e cinco meses que tem muitos bens, dinheiro e sempre viveu no luxo. Contudo, na história, narra, em primeira pessoa, seu sofrimento psicológico, enquanto está solitária em casa em uma noite fria.

Ao longo do texto, que se trata de um fluxo de pensamento da personagem, a mulher descreve como todos os itens luxuosos perderam valor, e ela sofre por causa de um amor. Aos poucos ela conta de seu caso e só ao fim descobrimos o motivo real de seu sofrimento.

Outro conto de Antes do Baile Verde que revela um sofrimento profundo feminino é o “Natal na barca”. Nele, mais uma vez em uma conversa entre duas mulheres, mas dessa vez em uma barca, no dia de Natal, como o próprio nome diz. Enquanto uma faz perguntas inocentes e simples, a outra acaba por revelar a tristeza da vida que enfrenta, especialmente na vida familiar

Mas nem só histórias tristes escreve Lygia. Com bastante humor, ela escreve a o simples “O moço do saxofone”.

O personagem principal é um caminhoneiro, que se hospedou em uma pensão do tipo “frege mosca”, descreve ela. Entre os frequentadores da pensão, local em que se passa toda a história, muitos caricatos e engraçados, mas também o tal “moço do saxofone” que sempre tocava o instrumento de uma maneira peculiar.

“Tocava bem, não discuto. O que me punha doente era o jeito, um jeito assim triste como o diabo”, descreve o tal caminhoneiro que ficou intrigado com o tocar do moço. E este é o gancho que nos leva além na narrativa.

A forma de Lygia Fagundes Telles escrever me lembrou a escrita de Clarice Lispector. Há uma descrição psicológica e foco nestas características das personagens — especialmente femininas — nos contos, marcados também pelo fluxo de consciência em muitos deles. A temática dos contos de Lygia se volta às situações cotidianas vividas por pessoas comuns.

Se você é apaixonada pelas Clarice Lispector, deve dar uma chance de se encantar por Lygia Fagundes Telles também. Começar por contos, mini histórias, é uma boa maneira de conhecer as autoras — foi assim que fui introduzida às duas acima. Os textos curtos, nem sempre são leves, mas te deixam refletindo por um tempo, assim, ler um ou dois a cada dia dá uma dose diária de literatura, e te faz digerir com calma a autora.

Originally published at www.siteladom.com.br on May 3, 2017.

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