Dirigido por Dee Rees e indicado ao Oscar, Mudbound é imperdivel

Graci Paciência
Lado M
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4 min readFeb 14, 2018

Entre inúmeras discussões acerca dos indicados ao Oscar 2018, há um filme que, apesar das 4 indicações ao prêmio, merecia também figurar entre os indicados a Melhor Filme e Melhor Direção. Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi é dirigido por Dee Rees (guarde esse nome), uma cineasta premiada por seu trabalho competente, que inclui Bessie (2015), a biografia da cantora Bessie Smith.

O enredo

Em Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi, Dee Rees conta a história de duas famílias distintas, mas com algo em comum: os traumas da guerra. Passado durante e após a Segunda Guerra Mundial, o filme põe em xeque a ignorância humana e a intolerância inseridos em uma sociedade repleta de pessoas que acreditam em sua superioridade de acordo com a cor da pele e a classe social.

O casal formado por Laura (Carey Mulligan) e Henry McAllan (Jason Clarke) se muda com as filhas pequenas para uma fazenda comprada com muito esforço. Lá, eles conhecem a família Jackson, formada por negros, responsáveis pelo trabalho pesado na fazenda. O pai de Henry, Pappy (Jonathan Banks), desde o início expõe suas opiniões incabíveis e não faz a menor questão de disfarçar sua repulsa por pessoas negras. Sua agressividade, impertinência e ar de superioridade irritam. O que Pappy não esperava é saber que o filho mais velho dos Jackson está lutando na guerra, assim como seu filho mais novo.

Enquanto Pappy não perde a oportunidade de atacar e desrespeitar a pobre e trabalhadora família, seu filho caçula, Jamie (Garrett Hedlund) encontra um novo amigo com quem pode compartilhar seus traumas causados pela guerra. Esse amigo é Ronsel Jackson (Jason Mitchell), o que causa a fúria do velho ignorante.

Jamie é visto como um bêbado preguiçoso que vive arranjando confusão, mas a verdade é que ele é justo e se recusa a fechar os olhos para o comportamento deprimente do pai, diferente do irmão, que é o retrato de quem procura não tem atitudes explicitamente racistas, mas é conivente com o racismo.

Além disso, é Jamie quem enxerga e entende as necessidades da cunhada, Laura. A moça tímida casou-se aos 30 anos, quando era considerada uma “solteirona”, e acreditou ser uma mulher de sorte, de acordo com o pensamento da época. Mas é sensata o suficiente para não colaborar com o comportamento do sogro, mesmo não deixando de ser submissa ao marido.

Laura tem um perfil muito conhecido: inteligente, com muitos talentos e apaixonada pelo primeiro homem que lhe dá atenção, ela percebe, aos poucos, que o casamento não traz, necessariamente, toda a felicidade que lhe é creditada. O marido não é mais o romântico de outrora, suas vontades não são levadas em consideração e o tédio e a monotonia tomam conta de sua vida. Ela enxerga no cunhado uma figura gentil e compreensiva, apesar da imagem turrona, mas não permite que a tensão que rola entre eles atrapalhe a família.

Mary J. Blige

Entre tantos talentos presentes em Mudbound, o destaque é de Mary J. Blige. A atriz e cantora domina a tela no papel de Florence, uma mulher sensata que cuida do marido e dos filhos, mas não deixa de trabalhar fora também. Mary J. Blige, em uma performance singular, mostra os sentimentos de Florence, seu amor pela família, o conformismo diante de situações injustas, mas que não seriam alteradas caso ela se manifestasse, e a dedicação em qualquer lugar onde seus serviços e conhecimentos forem necessários. Sua reação diante dos tropeços da vida é mostrado com muita sensibilidade pela direção competente de Dee Rees. Pelo filme, Mary está concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Canção Original (Mighty River).

A obra

Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi é a adaptação do romance homônimo de Hillary Jordan, publicado em 2008, e o roteiro — que concorre ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado — é de Dee Rees e Virgil Williams. A segunda parte do filme é um pouco cansativa, mas ilustra bem o contexto para desenvolver a terceira parte, quando a trama se torna mais pesada e expõe de maneira brutal as atrocidades que o racismo causa.

A fotografia do filme também chama atenção. Por isso, a profissional responsável, Rachel Morrison, é a primeira mulher a ser indicada ao Oscar na categoria Melhor Fotografia. Com 16 anos de carreira, ela é responsável também pela fotografia de Pantera Negra e já foi indicada ao Emmy pelo documentário What Happened, Miss Simone?.

Com uma história triste, mas bem-conduzida por tanta gente talentosa e competente, Mudbound é um marco por se destacar em diversos quesitos. Vale a pena conferir.

Originally published at www.siteladom.com.br on February 14, 2018.

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Graci Paciência
Lado M
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Gosto terror e rock. Autora de "Confissões de uma Adolescente Grávida" e host do podcast Soul do Rock. Twitter: @gratona_ https://medium.com/@cronicasdagraci