Do que é feita uma garota, de Caitlin Moran

Ana Paula Souza
Lado M

--

Do que é feito uma garota é um livro tão bom — mas tão bom! — que eu só consegui ler por inteiro na minha segunda tentativa. Antes que você imagine que há alguma incoerência nessa frase, explico: se você for uma garota, ele vai te tocar e te compreender tão profundamente que, talvez, em uma primeira leitura, você se assuste ao ver os seus dilemas, muitas vezes tão íntimos, serem expostos sem nenhuma sutileza.

Escrito por Caitlin Moran, Do que é feita uma garota fala sobre o processo de nós, meninas, nos construirmos e nos desconstruirmos constantemente, independentemente de sermos adolescentes ou de já termos uns bons fios brancos. Afinal, pressionadas por tantos estereótipos, vivemos à procura da garota que nós realmente queremos ser — e que, muitas vezes, não sabemos quem é.

Será que eu quero ser uma jornalista boa ou uma jornalista má?

Será que eu quero ser uma garota frágil, para que todos me deem atenção e se preocupem comigo, ou será que eu quero ser uma garota forte, que segura a barra de ter um pai alcoólatra, uma mãe em depressão pós-parto e quatro irmãos cheios de problemas?

Será que eu quero ser uma garota sexual, que encara qualquer pau e que poderia transar o dia inteiro, ou será que eu só quero ser a garota de um amor bem correspondido?

Johanna Morrigan, a protagonista da obra, tem todos esses questionamentos dentro de si. Mas, cada uma de nós, à sua maneira, também temos questionamentos semelhantes. Qual é a imagem que nós queremos que as pessoas tenham de nós? Qual é a imagem que nós queremos ter de nós mesmas? Por que, às vezes, parece ser tão difícil ser quem nós somos? Será que não dá para mudar de personalidade?

A narrativa contada por Johanna passa justamente por essa possibilidade de se reinventar. Depois de diversos traumas que a levaram a ter crises de ansiedade, ela decide se transformar em uma outra pessoa, que seria o oposto de tudo o que o seu jeito tímido, inseguro e introspectivo havia permitido até então. Ela decide se transformar em Dolly Wilde, uma garota que não pede licença, mas sim que arromba a porta, e cuja personalidade e trejeitos foram cuidadosamente elaborados por Johanna ao longo de dois anos. No entanto, se, a princípio, ser Dolly Wilde lhe dá uma liberdade maior, para que Johanna possa fazer o que quiser, ser Dolly Wilde também se revela, com o tempo, uma certa prisão.

Afinal, será que, para não virar uma piada, a gente realmente precisa pisar em todo mundo? Será que, para ser descolada, a gente precisa sair com todos os caras e fazer tudo aquilo que eles quiserem?

Sim, Do que é feito uma garota é um livro de questionamentos. Quem dera que ele tivesse chegado às minhas mãos mais cedo: acredito que, se eu tivesse entrado em contato antes com as escolhas feitas por Johanna, talvez eu pudesse ter escapado de algumas situações que eu confundia com amor, mas que, na verdade, eram ciladas mesmo. Talvez eu pudesse ter me respeitado mais, me compreendido mais, me machucado menos.

No fundo, Johanna Morrigan e Dolly Wilde estão em cada uma de nós e o importante é perceber que elas não precisam ser rivais, não precisam ser opostas, não precisam ser antagônicas. Justamente, Do que é feita uma garota nos mostra, com muito humor, que nenhuma garota cabe em caixinhas. Que, em algum momento, vamos descobrir que nós temos a liberdade de ser quem quisermos. E que, se a gente não acertar de primeira e tropeçar pelo meio do caminho, não tem problema nenhum.

Não é fácil se (des)construir.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 23, 2015.

--

--