Documentário discute soluções para a Cracolândia

Carolina Carettin
Lado M
4 min readOct 29, 2020

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Com direção de Edu Felistoque, filme faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Quando penso na Cracolândia — local em que um grande número de pessoas usa drogas (no caso o crack) a céu aberto — me lembro de quando tinha uns 8 anos e estava em São Paulo com meus pais. Nascida no interior do Estado, nunca tinha visto algo parecido. Me lembro de passarmos de carro à noite, voltando para minha cidade, e meu pai mostrar onde era a Cracolândia, próxima à Estação da Luz. Vi algumas barracas, borrões de pessoas e senti medo.

Anos depois iria para São Paulo novamente e a Cracolândia não era mais ali, estava na Praça Princesa Isabel. Depois da intervenção policial feita pelo então prefeito João Dória, em 2017, a Cracolândia mudou novamente alguns quarteirões, se instalando na Rua Helvetia, no centro histórico da cidade.

É a partir desse momento da intervenção que o documentário “Cracolândia” discute soluções possíveis para um problema complexo. O programa Redenção, de Dória, visava a reurbanização do centro da capital paulista e previa, num primeiro momento, a internação compulsória de usuários de crack. Mas essa contextualização não aparece no documentário. Só no início há falas de vários governantes — Gilberto Kassab, Geraldo Alckmin, Fernando Haddad e o próprio Dória — sobre as políticas públicas que seriam implementadas.

Há uma solução para a Cracolândia?

O deputado estadual Heni Ozi Cukier (NOVO) é um dos primeiros personagens que aparece como entrevistado, porém transforma-se em um narrador/comentarista. Ele é apresentado como cientista político e, só no final do documentário, há a informação de que ele é deputado estadual e que foi autor da lei 17.183 - Política Estadual Sobre Drogas. Cukier foi secretário adjunto de Segurança Urbana de São Paulo em 2017 e também assina o roteiro do documentário.

A falta dessa informação incomoda, porque Cukier é quem conduz as entrevistas com personagens chave das diversas políticas públicas já feitas pela Prefeitura de São Paulo, como o psiquiatra Arthur Guerra que coordenou o programa Braços Abertos na gestão de Fernando Haddad. É Cukier também quem conversa com moradores da região que se incomodam com a situação e com a presença de ONGs de direitos humanos no local; é ele quem entrevista ex-usuários que moravam na Cracolândia e quem comenta e une as falas dos entrevistados. Essa “cola” feita por Cukier também incomoda pelo tom professoral: algumas coisas já foram ditas pelos entrevistados, são entendíveis por quem assiste, mas ele as repete.

No entanto, o documentário cumpre com o que propõe ao ouvir pessoas com pensamentos muito diversos sobre o que fazer com a Cracolândia, uma solução que passa por questões de saúde e segurança pública, direitos humanos, educação e cultura. Além disso, o filme busca em outros países alternativas que possam funcionar no Brasil. Mesmo assim, parece que as soluções encontradas por cidades como Oslo, na Noruega, e Zurique, na Suíça — muito menores que São Paulo — não podem ser aplicadas da mesma forma aqui.

O crack é forma sólida, em pedra, da cocaína. Seu efeito é muito mais rápido do que o do pó cheirado e deixa os usuários agressivos e agitados. Diferente dos centros médicos da Noruega e da Suíça, em que os dependentes podem usar a heroína de forma controlada, não é possível fazer tal coisa com usuários de crack.

O documentário acerta ao instigar o espectador a refletir sobre a Cracolândia, uma situação presente há tanto tempo na cidade de São Paulo. Porém, erra — em minha opinião — ao colocar Cukier como fio condutor. Ao final, quando um texto aparece explicando quem ele é e como sua lei foi aprovada com unanimidade na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, há um ar propagandista, como se Cukier estivesse ali para dar a solução para o problema.

Trailer de Cracolândia

*Recomendo o documentário Hotel Laide (completo abaixo), que acompanha a chegada de Angelica em um dos hotéis que faziam parte do Programa Braços Abertos. O Hotel pegou fogo em 2017. (Nota inserida em 20/04/2022)

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Carolina Carettin
Lado M
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Jornalista, caipira de Araras, interior de São Paulo. É bailarina desde criança, ama ler e é fã da Rita Lee.