Educação sexual nas escolas: machismo e exclusão?

Luiza
Lado M
4 min readDec 1, 2015

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Você se lembra da aula de educação sexual que teve na escola? A aula, assim, no singular mesmo. Geralmente é assim: uma aula encaixada no programa de ciências da natureza em algum ponto do ensino fundamental. Nesses cinquenta minutos, você ouve sobre como a camisinha é importante para não engravidar e não contrair nenhuma dessas doenças terríveis chamadas DSTs — essa recomendação é seguida de um powerpoint com várias fotos de estágios avançadíssimos de doenças e infecções sobre as quais, até então, você nunca tinha ouvido falar. Sexo fica parecendo muito perigoso, não é mesmo?

Esse tipo de educação sexual escolar carrega consigo vários problemas, desde a exclusão de várias sexualidades até a perpetuação de um padrão machista e preconceituoso em diversos níveis. A aula existir já é um grande avanço, mas não podemos parar por aí — a informação é o melhor caminho para prevenir o abuso.

Muito jovens ou tarde demais?

Uma dúvida muito comum quando se trata do assunto é: qual seria a idade ideal para iniciar a educação sexual? Começar muito cedo cria o risco de a criança já ter esquecido tudo quando se tornar sexualmente ativa, além de esbarrar em questões como a vontade dos pais de “poupar” a criança de qualquer assunto que, supostamente, não pertença à infância. Por outro lado, colocar o programa em séries mais altas talvez seja torná-lo desnecessário, já que muitos alunos já terão iniciado suas vidas sexuais.

Elisabete Regina de Oliveira, pedagoga e especialista em sociologia da educação, defende uma outra opção: uma educação sexual escolar duradoura. “[Os programas] têm que ser constantes, ao longo de toda a educação básica. As questões a serem tratadas vão mudando conforme a idade da criança, a educação sexual escolar deve acompanhar essas mudanças ao longo das trajetórias.”

É importante lembrar, também, que educação sexual abrange muito mais que esse programa escolar; é desde aquilo que os pais ensinam até as informações absorvidas em programas de televisão. Todas essas formas devem ser complementares umas às outras, e nem sempre é possível controlar a idade em que a criança será exposta à sexualidade em todos os âmbitos.

A exclusão no programa atual

Ensinar às crianças que sexo é quando o pênis entra na vagina é problemático porque, principalmente, exclui inúmeras pessoas: transgêneros, homossexuais, bissexuais, assexuais, entre outros. A época escolar é quando as pessoas que não se encaixam no padrão heterossexual e cisgênero começam a se sentir diferentes dos seus colegas. Uma educação sexual completa tem o papel de desfazer a ideia de que existe um “normal” quando se trata de sexualidade. Para Elisabete, “o papel dos programas de educação sexual escolar é organizar toda a informação e formação recebida em todos os espaços, ampliando os horizontes do pensamento, fazendo o aluno questionar os valores aprendidos e formar seus próprios valores”.

Essa função se torna muito explícita quando observamos a vivência dos assexuais. A grande maioria dessas pessoas não aprende o que é assexualidade até encontrar grupos sobre o assunto na internet. Até então, elas apenas se sentem diferentes dos outros, e procuram diversos motivos para isso. Os programas de educação sexual escolar não os ajudam: os professores alegam que todo mundo vai fazer sexo eventualmente, e que a ausência dessa vontade não passa de imaturidade. Ensinar sobre abstinência sexual nas escolas é uma forma de poupá-los de muitos questionamentos que não se fazem presentes na infância de outras crianças.

Num primeiro momento, a ideia de apresentar o celibato às crianças parece um tanto conservadora. Afinal, estamos batalhando muito para perpetuar a ideia de que sexo é, sim, normal, e ninguém tem a obrigação de se manter virgem — aliás, estamos até questionando a ideia de virgindade. Da mesma forma, porém, ninguém tem a obrigação de transar, muito menos de querer transar. Por isso, mostrar a abstinência como uma opção é, sim, necessário.

A possibilidade de prevenção do abuso sexual

Ensinar o que é sexo também implica ensinar o que não é sexo. Reduzir uma relação sexual a “quando o pênis entra na vagina” afeta a construção de diversos outros conceitos — e preconceitos. Nessa definição, por exemplo, o estupro pode ser considerado sexo. Desde cedo, temos a oportunidade de ensinar a crianças que sexo é sempre uma relação consentida igualmente por todas as partes envolvidas, mas deixamos de aproveitá-la.

É vontade de muitos pais e mães poupar as crianças dessa realidade, mas informação é uma necessidade. “Mantê-las ‘inocentes’ significa mantê-las vulneráveis ao abuso.”, explica Elisabete. “Os pais não podem vigiar uma criança 24 horas por dia. A criança tem que ser capaz de reconhecer e descrever situações que indiquem a ocorrência de algum tipo de violência sexual.”

O combate ao machismo

Conceitos absorvidos na infância são a base de muitas ideias prejudiciais na vida adulta. Por exemplo, muitas aulas de educação sexual perpetuam a noção de que meninos gostam mais de sexo do que meninas. Quando abordam a masturbação, o fazem como se só existisse a masculina. Meninas que já começaram a desenvolver um lado sexual — porque sim, acontece na mesma idade para meninos e meninas — se sentem anormais e reprimem seus sentimentos. Enquanto isso, meninos são estimulados em todos os ambientes em que vivem.

Esse é só um exemplo do potencial prejudicial de uma educação sexual incompleta. O machismo é uma estrutura social, não uma escolha do indivíduo. A forma mais eficiente de combatê-lo é a educação — quem nunca ouviu a frase “não ensinem meninas a se protegerem, ensinem meninos a não estuprarem”? Pois é, é disso que se trata.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 1, 2015.

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