Elas sempre estiveram aqui : a indústria de games e o apagamento da mulher

Emily Moura
Lado M
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5 min readJul 18, 2022

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Antes de começar, gostaria de propor um exercício: pense rápido, me diga cinco jogos protagonizados por mulheres não sexualizadas. Acredito que você terá que pensar um pouco para responder essa questão. A situação muda de figura quando a pergunta se inverte para personagens masculinos — E aqui, poderíamos citar uma lista infinita de jogos com protagonistas homens, fortes e independentes.

Pois é, o machismo na indústria de games, essa que movimentou mais de US$ 175,8 bilhões em 2021, não é novidade para ninguém. Durante muitos anos, os jogos foram protagonizados por homens e personagens femininas hiper sexualizadas, impactando diretamente na crença de que videogame não é coisa de mulher.

Prova de que esse pensamento já está mais do que ultrapassado são os dados de perfil geral de pessoas que jogam no Brasil. Pelo quinto ano consecutivo, a pesquisa Game Brasil revelou que as mulheres são maioria entre os jogadores brasileiros, isso abrangendo qualquer plataforma de jogo.

Além disso, 72% das mulheres possuem o costume de jogar com frequência e 45,1% se consideram gamers. É inegável que mulheres ocupam esse espaço.

Então, se existem até mesmo dados que comprovam a presença feminina no mundo gamer, porque ainda há a crença machista de que mulheres não fazem parte? Bom, essa história começou em 1983 com a crise do video game.

Quando falamos de jogos digitais podemos pensar em várias categorias: como desenvolvimento, design e o público que joga. Historicamente, as mulheres sempre estiveram presentes em todas essas facetas, ao contrário do que algumas pessoas pensam.

Em 1980 o mercado de games estava em ascensão, e quem dominava esse reino era a Atari, com seu console Atari 2600. Até então, jogos eram uma atividade para a família em geral. Ainda no início da década, o mercado de games começou a ficar saturado, com uma imensa quantidade de consoles (plataformas de videogame). Além dos aparelhos, as desenvolvedoras dos cartuchos também enfrentavam um problema parecido — qualquer empresa conseguia lançar um jogo, algumas vezes até mesmo sem licenciamento.

Até hoje investir em games é bem caro, e na década de 80 não era diferente. Por isso, os consumidores compravam jogos apenas em datas comemorativas. E com essa bagunça de jogos e aparelhos, as muitas opções acabavam confundindo o consumidor, que por vezes optava por games não muito bem produzidos.

Nessa história toda de crise temos um protagonista: o game baseado no filme ET : O extraterrestre. Basicamente, o desenvolvedor teve apenas cinco semanas para produzir o jogo, que na verdade precisava de seis meses. Isso porque queriam lançar a novidade até o natal.

O resultado não podia ter sido diferente — um jogo ruim, sem história e caro. O alto investimento e as poucas vendas resultaram em muitas fitas descartadas. Assim, os consoles e jogos começaram a perder popularidade. Ao todo, a rainha dos games, Atari, perdeu mais de US$ 536 milhões em valor de mercado.

É nesse cenário que entra a casa do Mario Bros, a Nintendo. Muito populares no japão, os consoles da Nintendo não sentiram o impacto que a indústria de jogos americana sentiu. Assim, poucos anos depois, a Nintendo começou a conquistar espaço na terra do tio Sam, já que praticamente não havia concorrentes por lá.

A estratégia foi lançar o console Nintendo Entertainment System (NES) como um brinquedo masculino. Então, todas as campanhas de marketing eram direcionadas para esse público. E é por isso, que até hoje, o estereótipo de que jogos são coisa de menino existe.

Primeiro comercial norte americano para NES

Mas, engana-se quem acha que no meio de toda essa confusão dos jogos as mulheres não estavam presentes. E aqui, hoje, vou te apresentar algumas das mulheres que foram peça chave para a indústria de games.

Carol Shaw

Imagem: reprodução

Carol Shaw foi uma das primeiras mulheres a trabalhar na indústria de games como programadora. Ela é criadora de jogos famosos como é o caso do game Polo e do sucesso River Raid, ambos para Atari na década de 80. Além disso, ela é responsável por criar o comando de “salvar” o jogo. Antes de suas contribuições, ou você jogava o jogo de uma vez ou perdia todo seu progresso quando iniciava uma partida. Nascida e criada na Califórnia, Shaw foi influenciada desde cedo em suas descobertas tecnológicas pelos seus pais.

Quase quarenta anos depois, o cenário ainda não é dos melhores para as desenvolvedoras de jogos. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria International Data Corporation (IDC), das 14 maiores empresas globais de games, apenas 24% dos cargos são ocupados por mulheres. Esse percentual fica ainda menor quando falamos de mulheres que ocupam cargos de desenvolvimento: apenas 5,8%.

Roberta Williams

Imagem: reprodução

Uma mulher foi a pioneira no design de jogos para computador. Essa quase heroína é a Roberta Williams. Ela criou todo o design do jogo Mystery House e é co-fundadora da Sierra Entertainment, empresa especializada em jogos digitais. Até então, os games de computador eram apenas textos em uma tela, onde o jogador ia digitando suas escolhas. Roberta conseguiu criar uma identidade gráfica e desenhou todas as fases e interações de seu jogo. Ao contrário de Carol Shaw, Roberta teve seu primeiro contato com games depois de adulta, com o apoio do marido. Enquanto ela desenhava o jogo ele programava.

Rebecca Heineman

Imagem: reprodução

E é claro que além das pessoas que trabalham no desenvolvimento dos games, o público também é muito importante. E apesar da errônea fama de que jogos são coisa de menino, a primeira pessoa a ganhar um campeonato de jogos foi uma mulher — Rebecca Heineman. Ela, que na época vivia em um corpo masculino que não se identificava, via nos jogos digitais uma forma de escapar da realidade e se sentir ela mesma. Em 1980 ela participou do campeonato regional do jogo Space Invaders e levou a melhor, tanto nas eliminatórias quanto na final.

É, o mundo dos jogos não é fácil para as mulheres. Mas, a passos lentos, estamos conquistando um espaço que sempre foi nosso. Na última década, começamos a ver mais jogos com protagonistas fortes, inteligentes e que não estão na trama apenas para ser suporte do personagem masculino. Essa mudança dos últimos anos tem convidado muito mais mulheres a se aventurar em partidas de jogos. E você, já experimentou algum jogo?

Se quiser conhecer um pouco mais da histórias dessas heroínas da indústria de games e ainda conferir um paralelo entre mulheres que trabalham com jogos nos dias atuais, vem ouvir o meu podcast — o Joga Mana. Em cinco episódios você vai embarcar na história dos jogos por uma ótica feminista.

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Emily Moura
Lado M
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Jornalista em formação, apaixonada por livros e ilustração.