Em nova série, Anitta mostra sem censura os bastidores de sua vida
Estava no último ano do meu Ensino Médio quando ouvi falar da Anitta pela primeira vez. Era 2013 e Show das Poderosas era definitivamente um hit. Depois disso, não houve um rolê da faculdade que não tocasse uma música dela.
Além de transformar o funk em gênero pop, Anitta criou sua própria festa, virou head de criatividade e inovação da Skol Beats, participou do último álbum da rainha do pop Madonna, Madame X, e já foi cancelada milhares de vezes na internet. E agora, dois anos após a série documental Vai Anitta, ela volta para mostrar sua essência em Anitta: Made in Honório, lançada dia 16 de dezembro na Netflix.
A série documental, composta por seis episódios com cerca de 30 minutos cada, mostra o que está por trás da personagem que vemos nos palcos e nos clipes. Essa coisa de personagem, inclusive, não sou eu quem diz, mas pessoas muito próximas à cantora. “A Larissa e a Anitta são pessoas completamente diferentes. A Anitta é um personagem”, descreve Debora Gonçalves, amiga da artista.
Com cenas bastante íntimas, tanto no sentido de capturarem momentos pessoais de Anitta como também de mostrá-la vivenciando sua sexualidade, a série entrelaça a narrativa da mulher de negócios trabalhando incansavelmente para se manter no topo e a da garota de Honório Gurgel que ama os momentos em família e que chora ao ser reconhecida por sua diva pop. Nesse segundo aspecto, a obra cumpre seu papel de humanizar a cantora. É o esperado desse tipo de documentário sobre grandes artistas, que têm sido uma tendência nos streamings. No entanto, para quem acompanha Anitta nas redes sociais e está acostumada com sua linguagem pessoal e debochada, Anitta: Made in Honório chega apenas para confirmar essa visão.
You better work bitch
Muitas cenas mostram o quanto a artista quer manter 100% do controle das coisas, o que é enfatizado pelos profissionais que trabalham com ela, incluindo seu irmão, Renan Machado, que é também seu diretor executivo. A série também mostra Anitta brigando com sua equipe durante um ensaio para sua performance no Rock in Rio de 2019. Ao mostrar esses momentos, é muito provável que Anitta não ganhe o prêmio de chefe do ano, mas suprimi-los iria na contramão da premissa de mostrar Anitta como ela é.
Ainda assim, cabem algumas reflexões sobre a atitude assertiva da cantora. Primeiro porque, se fosse um homem tendo essa atitude, muitos o leriam como um excelente gestor de crises (o que chega a ser dito por ninguém mais, ninguém menos que will.i.am). Segundo porque chega a ser compreensível que Anitta aja assim hoje porque agiu dessa forma desde sempre para fazer valer suas opiniões, não só por ser mulher, mas por cantar funk e ter o sonho de conquistar o mundo — e nossa sociedade não gosta de mulheres determinadas, não é mesmo?
Tem que estudar muito para ser Anitta
Muito do desprendimento de Anitta na série vem da consciência de que, independente do que faça, quem não gosta dela vai encontrar algum defeito em seu trabalho ou em sua personalidade. Em muitos momentos, percebe-se que sua principal preocupação são os fãs, as pessoas que escutam suas músicas, assistem a seus clipes e vão aos seus shows, não quem está esperando pelo primeiro deslize para cancelá-la — coisa que já foi feita muitas vezes, seja por falas controversas ou por brigas com outras personalidades do pop nacional.
Nessa linha, a série também mostra conversas que Anitta teve recentemente com Gabriela Prioli e também com advogadas da Articulação Nacional pela Superação da Violência Institucional, por exemplo, a fim de se educar sobre questões que sempre surgem para ela, sobretudo por ser mulher, por ser expoente de um gênero musical periférico e também por ter um público LGBTQIA+ expressivo. “A população espera dos artistas coisas que elas não esperam dos políticos no Brasil”, diz Taísa Machado, roteirista e fundadora do Afrofunk Rio, em um trecho do documentário.
Anitta cometeu deslizes? Sim, assim como todos nós cometemos um dia e tivemos a oportunidade de aprender. Vale lembrar que antes de ser um sucesso estrondoso, Larissa Machado (aka. Anitta) era só uma garota de Honório Gurgel querendo fazer sucesso cantando para ter as oportunidades que não tinha quando jovem. Vê-la se abrir a um processo de aprendizado para ser porta-voz de causas importantes é um ganho para o nosso lado (vale lembrar que ela tem mais de 50 milhões de seguidores no Instagram, influenciando muita gente por aí).
Made in Honório
Ver os bastidores da vida de uma das maiores estrelas do pop nacional por si só já é viciante (se não o fosse, revistas e programas de fofoca teriam caído em desuso há décadas), mas tem algo a mais na série que te prende. No começo, você jura que o show da vida de Anitta é a apresentação do Rock in Rio em 2019, depois de ser esnobada na edição de 2017, mas não é. É visível que ela tem muito orgulho de suas origens, lá na Furacão 2000 com o “funk raíz”, e que hoje ela está vivendo um sonho. E se me falarem que isso tudo é fingimento, então incluam “atriz” no currículo já extenso da cantora.
A série mostra que Anitta é gente como a gente, apesar de separadas por alguns milhões na conta bancária. Sua vida é trabalhar duro, realizar seu sonho, acreditar em si mesma, valorizar seu trabalho (mesmo que leiam isso como prepotência), mas é também dar beijo triplo no rolê, ficar apaixonadinha por um boy (que às vezes é lixo) e chorar na janela do ônibus. É um pouco do que a gente faz no dia a dia, cada uma com sua realidade. É um documentário importante para reconhecer o que há de Anitta em nós e o que há de nós em Larissa Machado.