Endometriose: uma doença que precisa ser levada a sério

Paula Peres
Lado M
Published in
5 min readAug 20, 2015

Você tem cólicas menstruais? Já chegou a pensar que elas podem ser sinal de algum problema?

É comum as pessoas pensarem que o organismo feminino produz, naturalmente, as cólicas menstruais todo mês. E as mulheres devem conviver com isso, dopando-se de remédios para inibir as dores e seguir suas rotinas, provando para a sociedade e para si mesmas que são capazes de ser tão produtivas quanto os homens que não têm nenhuma dessas “confusões corporais”.

“Isso não é verdade. A cólica é um sinal do corpo de que algo está errado, e deve ser investigado”. O alerta vem da doutora Rosa Maria Neme, ginecologista e diretora do Centro de Endometriose de São Paulo. A doença atinge aproximadamente 7 milhões de mulheres, somente no Brasil. “E esse número talvez seja maior, porque muitas naturalizam suas dores, quando são pequenas, e não vão procurar saber”, diz a doutora. Mas antes que você se desespere achando que tem endometriose, conheça Thaíssa, uma carioca de 25 anos eestudante de Biblioteconomia.

Thaíssa era uma criança ativa de 12 anos, que corria, brincava e pulava. Como boa parte das garotas, teve sua primeira menstruação nessa idade. E, com ela, vieram os problemas de uma doença que ela levaria para o resto da vida. “Tive desde o início cólicas terríveis e um ciclo bem desordenado, com cistos. Todo mês eu ia para o hospital fazer exames, mas ninguém descobria o que eu tinha”. Ela ainda não sabia, mas tinha endometriose. De acordo com dados do Centro de Endometriose de São Paulo, 50% das adolescentes que têm cólicas fortes já apresentam a doença nessa fase da vida.

Suas dores nem sempre foram bem compreendidas pelas pessoas ao redor. “Muita gente não entende o que passamos. Já tive que ouvir de médicos e da minha própria mãe que eu estava com frescura e charminho”, conta Thaíssa.

A endometriose é a presença de um tecido semelhante ao endométrio, aquele que reveste internamente o útero e é eliminado na menstruação, fora da cavidade uterina. As causas da doença ainda estão sendo estudadas pelos médicos. Já se chegou a pensar que o problema eram pedaços da menstruação que não saíam e se alojavam na cavidade uterina. Porém, casos de endometriose em outras regiões do corpo ou em pessoas que não tinham útero e nunca haviam menstruado fizeram essa hipótese cair.

Atualmente, acredita-se principalmente que a doença esteja relacionada a fatores genéticos. “Não sabemos indicar qual é o gene que condiciona isso, mas entendemos que as pessoas têm predisposição genética a desenvolver a endometriose”, explica a doutora Neme. A segunda teoria mais aceita é a de que a mulher que desenvolve a endometriose tem alguma alteração imunológica do corpo que não consegue combater o aparecimento da doença.

Aos 19 anos, Thaíssa passou por uma grande complicação. “Eu estava em casa arrumando as coisas para a festa de aniversário da minha mãe. Senti uma dorzinha que foi aumentando, aumentando, aumentando até eu implorar que me levassem para o hospital”. Um dos cistos havia explodido no ovário.

Thaíssa ficou internada por 7 dias e foi operada, ainda sem saber qual era o seu problema, apesar de desconfiar. “Como pode uma menina tão nova ir todo mês para o hospital morrendo de dor? Sem conseguir andar? Chorando?” Ela fez uma pesquisa na internet e acabou reconhecendo na endometriose muitos de seus sintomas: fortes cólicas menstruais, sangramentos na evacuação, inchaço na região da barriga, dores durante as relações sexuais.

Além dos finais que Thaíssa apresentava, é preciso estar alerta para alterações intestinais e na urina no período menstrual e dores em geral, fora do período. Porém, vale alertar que a intensidade dos sintomas não está relacionada à intensidade da doença. É possível que uma pessoa tenha endometriose leve sofrendo dores incapacitantes, e vice-versa. E é por isso que muitas mulheres acabam descobrindo a doença apenas muito tarde ou nunca buscando informação, por não acreditarem que aquelas pequenas dorezinhas podem significar alguma coisa.

Muitas vezes, as mulheres encontram respaldo na própria medicina para pensar nesses sintomas como algo natural. “É comum os próprios médicos acharem que é normal ter, além de cólicas menstruais, dores durante as relações sexuais. Então, quando aparecem mulheres com esses sintomas, eles nem chegam a cogitar endometriose”, diz a doutora Neme. Os exames específicos que podem diagnosticar a ocorrência da doença são os ultrassons e a ressonância magnética.

Outra característica comum e dolorosa a muitas mulheres com endometriose é a infertilidade. “Quando analisamos o grupo de mulheres que são inférteis, 50% delas têm endometriose, e entre as que têm endometriose, 30% a 40% apresentam infertilidade”, explica a doutora Neme. Isso não quer dizer que as mulheres com endometriose estejam “condenadas” a não ter filhos, mas apenas têm mais chances de apresentarem essa característica. A boa notícia é de que já há muitos tratamentos e cirurgias para quem tiver vontade de engravidar.

Ao descobrir que não poderia ter filhos, Thaíssa sofreu mais por sua família do que por si mesma. A pressão para dar netos aos pais, que para as mulheres férteis é mais uma pressão com a qual elas se acostumam a viver, para Thaíssa se tornou dolorosa. “Eles não me diziam nada, mas eu ficava triste porque sabia que comentavam com as outras pessoas, como se fosse uma ‘pena’ eu não poder ter filhos, já que sou filha única, mulher. Por muito tempo, eu acreditei que tinha esse dever de reprodução, e o sofrimento foi maior. Mas me libertei dessa ideia, e hoje penso que eu devo primeiro cuidar da saúde do meu corpo. Se um dia eu quiser ter filhos, posso fazer tratamento ou adotar. Não sou menos mulher por causa disso”, reflete.

A endometriose não tem cura, mas tem tratamento. De acordo com a gravidade dos sintomas e dos focos, pode ser tratada com anticoncepcionais, que interrompem o crescimento da doença devido aos níveis de progesterona que injetam no corpo, e com cirurgias de retirada dos focos. “A cirurgia melhora a qualidade de vida da paciente, mas não é garantia de que após a retirada, os focos de endometriose não voltem’.

Da última vez que conversamos com Thaíssa, ela estava com dificuldades para dormir devido às cólicas. “Tenho uma lista de seis remédios que a médica passou e andam comigo em todos os lugares por onde vou. Tento o primeiro, se ele não funciona, vou para o segundo, e assim por diante. Tomei o último hoje à tarde, porque acabou. Por isso a dor está suportável, e apenas espero que não piore até amanhã, quando comprarei uma nova cartela”, relatou.

O SUS oferece tratamento e medicação à base de anticoncepcionais, apesar da maioria das mulheres recorrer a convênios e clínicas particulares, por não conseguirem aguentar o tempo de espera de uma cirurgia, em média de 6 meses. O medicamento mais comum entre as mulheres que têm endometriose chegou recentemente ao Brasil e ainda não é oferecido pelo SUS. O valor de sua caixa, que dura 28 dias, pode chegar a R$ 220.

Não é porque você tem cólicas que necessariamente tem ou terá endometriose. Mas não custa estar alerta aos sinais de seu corpo, certo? Se você ficou com dúvidas e gostaria de saber mais informações sobre essa doença, acesse o site do Centro de Endometriose de São Paulo e converse com um ginecologista de sua confiança.

Originally published at www.siteladom.com.br on August 20, 2015.

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Paula Peres
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Formada em Jornalismo pela ECA-USP. Escrevo profissionalmente sobre Educação e aqui sobre qualquer coisa que me valha.