Estrelas Além do Tempo é um dos melhores filmes que você verá na vida

Helena Vitorino
Lado M

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Logo no começo de Estrelas Além do Tempo, há algo de muito especial em ver uma cena onde uma garotinha negra rabisca complexos cálculos matemáticos num quadro negro, em frente a diversos adultos em silêncio. Essa cena faz brilhar os olhos dos espectadores, que já de cara percebem estar em frente a uma obra prima do cinema e da história.

O título, que não foi traduzido literalmente (o nome em inglês, Hidden Figures, significa “Figuras Ocultas”), faz referência a três verdadeiras estrelas da matemática e da física que trabalharam no projeto espacial da NASA nos anos 1960: Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson — respectivamente, uma matemática, uma programadora e uma engenheira, todas negras e absurdamente talentosas.

Seria desonesto chamá-las apenas de “estrelas” numa constelação onde os corpos celestes são, em sua maioria, homens brancos, heterossexuais e ricos. Se é pra chama-las de “estrelas”, só se assumirmos que cada uma foi um sol. Sóis matemáticos, essa é a expressão, já que a função do Sol é dar vida e desenvolver tudo aquilo que está ao seu redor. Desta mesma forma, o projeto da NASA de lançar seu primeiro homem ao espaço só foi possível graças às mentes brilhantes dessas “computadores humanas”.

Sim, “computadores”, e isso assusta logo no início de Estrelas Além do Tempo. Essa era a denominação às pessoas capazes de fazer os tremendos e complexos cálculos que exigiam os apressados engenheiros espaciais. Numa era onde a tecnologia digital se desenvolvia muito lentamente, e as máquinas não tinham a potência atual, as salas de engenharia da NASA telefonavam aos redutos de matemáticos e gritavam “mande um computador pra cá, que seja bom e que venha rápido!”. Num destes chamados, sobe à sala da gerência espacial o melhor “computador humano” que já existiu na NASA: Katherine Johnson (Taraji Henson), à época ainda Katherine Goebls, uma moça que havia sido uma criança prodígio que traduzia as complicações matemáticas com a facilidade que respirava. E num ambiente hostil, machista e segregado racialmente, ela fez o impossível para ter seu talento excepcional levado a sério, e o melhor de tudo: colocar um ser humano no espaço.

Estrelas Além do Tempo mostra que ambiente em que essas mulheres viviam e as situações que vivenciavam eram bem pesadas: falta de reconhecimento humano, de promoções no trabalho, de apoio dos companheiros e constante discriminação pela cor e pelo gênero. Mas isso tudo não transforma Estrelas Além do Tempo num desânimo, pelo contrário: com trilha sonora de Pharrell Williams e Hans Zimmer, as personagens enfrentam os desafios diários com duas coisas: competência e música. E isso nos mostra que o ativismo indireto, por meio do intelecto e não do enfrentamento, também foi uma belíssima forma de combate pelos direitos civis nos Estados Unidos na década de 1960.

O que o filme trabalha muitíssimo bem é a evolução de pensamento das pessoas que cercam as três figuras mágicas, Katherine, Dorothy (Octavia Spencer) e Mary (Janelle Monáe). Seus esposos, de um lado, iniciam o filme questionando sua presença no lar; seus colegas de trabalho, de outra perspectiva, questionam sua inteligência pela cor e por serem mulheres. “Eu não sabia que contratavam mulheres na NASA”, é o infeliz comentário que um pretendente diz à Katherine tentando iniciar uma conversa. “Eu não tenho nada contra vocês”, é o infeliz comentário da supervisora branca Vivian Jackson, interpretada por Kirsten Dunst. “Nossas aulas de engenharia não foram feitas para mulheres”, diz um professor ao se deparar, pela primeira vez, com uma aluna negra. Às três provocações, Khaterine, Dorothy e Mary respondem de maneira brilhante, deixando seus interlocutores sem resposta. A imposição de caráter destas três mulheres transformou a todos ao seu redor, e conferiu a elas lugares inimagináveis a mulheres negras na época em que viveram.

As histórias dessas três mulheres carregam consigo dezenas de outros nomes. Em Estrelas Além do Tempo, é possível ver a quantidade de “computadores” negras que habitam a sala fazendo cálculos, o dia todo. Essas foram as esquecidas — porém muito bem resgatadas no filme — mentes brilhantes que contribuíram para tudo que temos hoje. O papel fundamental destas mulheres, lindamente registrado num dos melhores filmes já produzidos pelo cinema, é inspirador.

Katherine, Dorothy e Mary deixam a sala de cinema com um respiro de superação, dever cumprido, e muita, muita força de espírito. E você, ao assistir Estrelas Além do Tempo, com certeza sairá do cinema se sentindo muito mais inspirada.

Originally published at www.siteladom.com.br on February 3, 2017.

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