Estupros Velados: quantos vezes você ouviu um caso de abuso?

Gabriella Feola
Lado M
4 min readJul 28, 2018

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Mesmo com casos de estupros vindo à tona todos os dias, muitas pessoas não entendem como isso acontece. São pessoas de outra geração que não a dos jovens da balada. Pessoas que têm ainda o estereótipo do estuprador como o homem maltrapilho, fétido, que te aborda num beco escuro. Não entendem como ocorre uma agressão sexual numa festa, ou como que se chama de estupro se a garota estava beijando o rapaz espontaneamente.

Pois então vamos ao retrato dos estupros incompreendidos e velados. Esses que acontecem todos os dias envolvendo rapazes atraentes e de família boa aparência, e que passam despercebidos, culpabilizam as mulheres e não são muito levados a sério por diversas autoridades.

A história abaixo é real, e todos os nomes foram alterados para preservar a vítima.

Como foi a balada ontem, amiga?

-Ai, tô mal, aconteceram umas coisas… Nem devia ter ido?

-Por que? Achei que você tava mó curtindo, vi vários snapchats seus com um cara gato.

-Um filho da puta…

-Que que aconteceu?

-Eu tava curtindo a festa, mas a Babi encontrou um ex-peguete dela, foi ficar com ele e eu acabei sobrando na balada. Aí eu tava lá meio perdida e uns caras vieram falar comigo. Eu achei eles mó gente boa e tal, me chamaram pro camarote, eles tinham fechado várias bebidas, falaram pra eu ficar à vontade, beber com eles. O loiro era bem bonito…

-O cara que você me mandou no snap?

-Esse mesmo. Então, ele nem veio tentar me pegar logo de cara, a gente ficou mó cara conversando, e bebendo… Eu não tava muito afim de encher a cara, mas ele tava me dando vários drinks e eu tava acompanhando né. Ai mais pro final a gente ficou, tava bem legal. Mas aí que eu me toquei da hora e fui tentar achar a Babi de novo. Eu liguei pra ela e ela já tinha ido embora. Ai fudeu né… Ela foi embora com o boy e eu não tinha como voltar pra casa. Porque não tinha metro lá perto, era no Itaim a balada.

E ai eu reencontrei o loiro, falei pra ele “ Meu, eu perdi minha amiga, agora eu não tenho mais como voltar, e eu preciso ir embora logo…”. Só que aí ele disse “ Não, relaxa, fica aí com a gente, depois eu te deixo em casa, eu tô de carro”

Ai tipo, eu já tava com o cu na mão, porque minha mãe tinha falado pra eu não chegar muuuuuuito tarde. Eu perguntei várias vezes “mas você me deixa em casa mesmo? Não vai ter problema pra você?” E ele tipo “ Não, não, fica aí gata, vamo curtir”. E a gente tava se pegando e tava bom, sabe? Ai eu fiquei, e a gente tomou o que tinha sobrado da vodka com energético. Eu já tava bem tonta das bebidas sabe? Eu não to acostumada a ir pra balada e beber assim, até porque é caro.

Ele pagou e a gente foi embora. Só que ele começou a pegar um caminho estranho. Eu perguntei “Por onde você tá indo?” e ele falava “É um caminho super bom, você corta por dentro, não pega farol e é bem mais perto”. Eu fui começando a achar estranho, eu já tava meio enjoada das bebidas. Aí ele parou o carro numa ruazinha e começou a me beijar. E passar a mão. Depois de uns beijos eu falei “Cara, eu tenho que ir pra casa, e é perigoso a gente ficar aqui”. E ele “ Não magina, conheço essa rua, é de boa. Relaxa gata, a gente tá curtindo. Ai tipo ele tirou… Ah mano, foi uma merda

-Paula, me conta o que aconteceu, isso é sério…

-Ele colocou o pau pra fora e ele pôs minha mão lá. E eu falando que não queria, que eu queria ir pra casa. Mas eu já tava muito tonta da bebida… Meu olho tava fechando. E ele percebeu, né? “Não, vamo lá pro banco de trás e você descansa um pouco. Ai quando você tiver melhor eu te levo pra sua casa”. Eu falei “Tá bom, mas eu não quero fazer nada”. A gente voltou a se beijar e ele tava passando a mão e levantando meu vestido. Eu tava apagando sabe? Eu não devia ter bebido tanto… Tipo, eu não lembro direito, eu só tenho uns flashes. Mas depois, ele tava … ele tava metendo em mim, e eu nem sabia se ele tava de camisinha. Eu pedi pra ele parar, mas ele nem respondia. Aí eu comecei a chorar… Eu queria ir pra casa, eu tava tentando tirar ele de cima de mim, mas eu não tinha força pra nada, eu tava mole, bêbada. Aí eu desisti e falei “Então faz o que você tem que fazer e goza logo”. Eu tava chorando e ele continuava metendo. Eu não conseguia ver direito, eu não lembro, mas parecia que uma hora ele tava com um celular na mão. Foi horrível. E eu to muito preocupada agora, eu nem dormi. Eu não sei se ele tava de camisinha…

-Nem devia estar

-Eu não sei se ele filmou…

-Caralho, Paula, que osso. Mano, esse cara é um criminoso, você não pode deixar isso quieto.

-Magina, e você quer que eu faça o quê? Conte pra todo mundo? Você tá louca?

-Paula, a culpa não é sua. Você não pode ter medo de contar.

-Nem morta, minha mãe me mata. E pelo amor de Deus, não conta isso pra ninguém. Por favor.

E você, já ouviu uma história parecida?
Publicado originalmente em 18 de novembro de 2014.

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Gabriella Feola
Lado M
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Jornalista meio empreendedora, autora do livro Amulherar-se, cursa mestrado na Universidade de São Paulo, estudando Comunicação e Educação da sexualidade.