Terceiro ano do ensino médio, 18 anos, grávida na escola.
Gravidez. Como essa palavra me assustou… Ainda me assusta. Nunca havia pegado um bebê no colo, muito menos sabia conversar com crianças.
Eu não contei pra ninguém da minha gravidez, com exceção do pai da minha filha e um amigo da escola. Por quê? Porque eu tinha vergonha. Como uma menina no ensino médio pode ter vida sexual ativa? Ainda mais uma menina considerada feia e tímida. Já estava muito fragilizada pra me machucar ouvindo opiniões alheias e todas aquelas perguntas acusadoras.
Não contei nem pra minha própria mãe, que acabou descobrindo. Ela não sabia lidar e fingiu por alguns meses que nada estava acontecendo, mas mandava eu colocar bolsas na frente do corpo propositadamente. Por vergonha de mim. Eu estava desolada, me sentia sozinha. Para completar, o pai da minha filha me agrediu duas vezes durante a gravidez. Essa situação de vulnerabilidade e solidão me fez aceitar aquilo calada.
No diário em que escrevi na época, a palavra que mais se repetia durante o período era medo. Medo de parir, de ser expulsa de casa, das críticas, de me menosprezarem, de repetir o ano, de me abandonarem, de abortar, de não conseguir fazer mais nada da minha vida, da reação das pessoas…. Foram tantos medos. Passei meses chorando consecutivamente, todos os dias. Eu estava numa situação de total inércia, não podia fazer absolutamente nada. Demorou pra acreditar que eu estava realmente grávida: tinha um bebê dentro de mim?
Inúmeras vezes eu só enxerga a saída dessa situação na morte. Quantas vezes pensei em me matar… Negava várias vezes minha gravidez. Quando o teste deu positivo, passei a pesquisar métodos abortivos e praticar todos eles. Usei tudo quanto é tipo de chá. Procurei pelo cytotec, mas não tive acesso, afinal cada pílula do remédio custa acima de 100 reais e eu teria que tomar no mínimo 4. Clínica de aborto? Nem pensar! Eu, filha de empregada doméstica e o pai morador de uma favela da zona sul, nunca conseguiríamos esse dinheiro. Nenhum chá funcionou. E então a tal da agulha de tricô começou a passar pela minha cabeça… Meu corpo treme só de mencionar. Eu pensei nisso umas 20 vezes. Peguei a agulha na mão, respirei fundo, olhei fixamente pra ela… não consegui.
Sem nenhuma opção, acabei seguindo a gravidez. Não por escolha minha, mas porque não tinha outro jeito. Os meses foram passando e a barriga foi aumentando. Com ela vieram dificuldades pra realizar tarefas como pegar metrô lotado, andar muito, etc. Tinha alguns enjôos, azia, mal estar, o que me atrapalhava nos estudos. Como eu pretendia cuidar da minha filha estando na faculdade? Eu não fazia a mínima idéia, só seguia a vida como se eu não estivesse esperando um bebê.
Na escola
O meio escolar chega a ser cruel. Ele é um reflexo da sociedade atual, o que é bem triste já que a adolescência é uma fase tão delicada e pode deixar marcas pro resto da vida. Daí acabamos aprendendo a resistir (ou ao menos tentar) sozinhos.
Na escola, chegou a um ponto que todo mundo já sabia. Todo mundo. Minha barriga era assunto de fofoca entre os professores e os alunos quando eu estava ausente. E isso me dava menos vontade de continuar estudando. Não aguentava mais aqueles olhares, aquelas críticas, comentário maldosos, aquela dificuldade pra manter o estudo com tantas faltas. Muitas vezes eu pensei em parar de estudar. Na escola eu só fui boato. Ninguém se importou em me ajudar: nenhum professor, nem a coordenação, ninguém. Ninguém chegou a mim. Eu era apenas mais um número na estatística que ninguém sabe lidar e pouco se interessa. Se eu fosse até a coordenação talvez conseguisse abono de faltas, um olhar de espanto e uma palavra de pena.
No Brasil 75% das adolescentes que tem filho estão fora da escola. As escolas não estão preparadas para lidar com essa situação. Alguém poderia ter chegado até mim e deviam ter feito isso. A sociedade ignora o fato de que nós, mães jovens, somos vítimas de um estado onde impera o machismo, onde raras as vezes temos educação sexual nas escolas, onde o aborto é ilegal (a não ser pra quem tem dinheiro) e onde somos pressionadas por nossos parceiros a não usar preservativos… Enquanto isso, a maioria das pessoas reproduz o mesmo discurso agressivo: “uma criança cuidando de outra criança” “foi culpa sua” “você não se preveniu” “existem tantos métodos…” “quem pariu Matheus que balance” “filha de mãe solteira tem filho cedo”. Todas essas frases refletem a misoginia presente na nossa sociedade e nos reduzem como mães.
Ah, se o feminismo tivesse chegado a mim naquela época…. Mas infelizmente não chegou. Ah, se o feminismo tivesse chegado aos meus colegas de classe, que me olhavam com uma espécie de pena, desdém e julgamento…
Relato escrito por Lara Alves, 21 anos
Originally published at www.siteladom.com.br on December 2, 2015.