Por Nathália Paciência

Eu, Gorda?

Graci Paciência
Lado M
Published in
4 min readSep 26, 2018

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Eu era uma criança feliz e normal. Até que, acho que aos 9 ou 10 anos, eu soube que era gorda. Sim, eu soube, porque eu sinceramente não via nada de errado quando olhava no espelho. Ao saber que era gorda, eu soube também que isso era uma coisa ruim.

A gordofobia está presente nos detalhes, como os olhares que reprovam a roupa curta de quem está fora dos padrões estéticos. Mas quem desaprova pessoas gordas não faz a menor questão de disfarçar. É como se fosse um preconceito que todo mundo “pode” ter porque diz que é preocupação com a saúde do próximo.

Não, eu não sofri bullying na escola, a notícia veio de familiares próximos. Aos 9 anos, eu era cobrada para entrar numa dieta, quando eu nem sabia como fazer uma. Na minha casa, sempre teve fritura nas refeições, refrigerante, salgadinhos, biscoitos recheados e sucos artificiais. Considerando que eu era filha única (o que me isentava de ter que dividir as besteiras com alguém) e que não tinha absolutamente nenhum incentivo para praticar atividades físicas, como será que as pessoas esperavam que eu deixasse de engordar?

Mas eu sempre gostei de dança e tive a oportunidade de fazer aulas de jazz. Por 8 meses. E eu volto a perguntar: como eu deixaria de engordar?

Cada palavra negativa direcionada à forma física de alguém pode afetar a autoestima de quem recebe os comentários, e isso vai muito além da imagem. Os argumentos usados para tentar me convencer a querer emagrecer eram mais deprimentes do que a “acusação”.

Eu ouvi, desde os 9 anos de idade, que se eu continuasse gorda, eu jamais ia namorar. Bom, eu dei um jeito nisso quando apresentei um namorado à família quando tinha 14 anos.

Esse “problema” nunca foi uma realidade pra mim. Eu tive conflitos sentimentais porque todos nós pensamos de maneiras diferentes e porque há muitos babacas nesse mundo, mas nunca por ser gorda.

Quando você se enxerga gorda, por mais que relute, acaba se privando de uma infinidade de coisas. Eu, por exemplo, deixei de ir à praia quando tinha 12 anos. Roupas são compradas com um cuidado imenso, pois barriga de gorda não pode aparecer. Isso é autorizado somente para quem segue à risca a cartilha das blogueiras fitness e entra numa calça tamanho 36. Postar selfie na frente do espelho, pra quê? Pra todo mundo ver a minha forma saliente? Alguns aborrecimentos são desnecessários.

Porém, há alguns anos, em uma daquelas ocasiões em que a gente faz uma faxina completa no guarda-roupa, eu encontrei uma saia comprada quando eu tinha 19 ou 20 anos. A surpresa veio quando eu olhei o tamanho da peça. Era tamanho P.

Uma confusão se formou na minha cabeça naquele momento, afinal como uma pessoa de 1,64m, de 19 anos, vestindo tamanho P era considerada gorda? Isso não fazia o menor sentido. Aí, eu vi fotos da minha adolescência e até mesmo dos meus vinte e poucos anos, e senti uma imensa tristeza pela jovem retratada ali. Por que ela permitiu que outras pessoas lhe dissessem como ela devia se sentir? E mais: por que a sociedade é cruel ao ponto de achar normal cobrar de meninas de 9 anos um corpo padrão?

Hoje, aos 32 anos, eu estou, sim, acima do peso. Mas eu não sei dizer quando exatamente isso aconteceu, porque na minha cabeça eu nunca fui magra.

A autoaceitação tem que ser trabalhada diariamente, mas ela mostra seus obstáculos a todo momento. É difícil tentar manter o pensamento de que não tem nada errado contigo, mas não conseguir comprar uma meia-calça legal porque as mais personalizadas são fabricadas somente nos tamanhos P, M e G. Também não é fácil quando você quer comprar uma roupa e percebe que a seção plus size da maioria das lojas oferece somente roupas para a terceira idade. Também não é fácil porque em uma feira de moda praia plus size, você gasta facilmente R$ 350 em 2 biquínis.

Repare também que em qualquer ação de marketing que diz usar “mulheres reais” para ilustrar as ações dos produtos, mostra mulheres que vestem tamanho 50 ou 52, talvez, mas sem os detalhes que acompanham o sobrepeso, como celulite e estrias. A busca pela perfeição é tão presente no nosso mundo que os inconvenientes são eliminados constantemente.

O mundo cobra, sempre, pela “rebeldia” de se permitir ter um corpo mais avantajado. Por mais que hoje haja todo um discurso politicamente correto de que devemos nos aceitar como somos, nos pequenos detalhes, quem veste um número maior do que 44 é marginalizado na maioria das empresas de moda.

E quando, exatamente, isso começa? É difícil saber, mas eu posso dizer que cobrando o “corpo ideal” de uma garota de 9 anos não ajuda em nada. Não confundam com incentivar a obesidade, pois as coisas não funcionam assim, preto no branco. Mas, ao invés de criticar as crianças, tente incentivá-las a correr, brincar, se exercitar. Repare na alimentação que você oferece à elas e, principalmente, pense na saúde dela a longo prazo. Isso não significa que sendo magra ela estará livre de doenças, afinal a bulimia está aí para provar que magreza não significa saúde.

O mais importante de tudo isso é que, apesar dos percalços da vida, depois de 16 anos, eu voltei a frequentar a praia. Melhor do que isso, há poucos meses voltei a fazer aulas de dança. Isso tudo é importante somente para mim, porque quando eu encontro alguém na rua, a primeira coisa a qual prestam atenção é na minha forma física, depois vem a pergunta sobre filhos. Aí, podemos perceber que ninguém pergunta se o próximo está feliz, é tudo uma questão de se enquadrar a um comportamento ultrapassado. Mas isso é tema para outra conversa.

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Graci Paciência
Lado M
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Gosto terror e rock. Criadora e apresentadora do programa Soul do Rock, na Antena Zero. BlueSky: @gratona https://medium.com/@cronicasdagraci