“Eu gosto é de curtinho”: seu cabelo, suas regras

Thaís Matos Pinheiro
Lado M
Published in
4 min readOct 23, 2015

Faço parte de um grupo no Facebook chamado Cabelão já — Operação Rapunzel. Estou nele há uns dois meses, por indicação de uma prima. Todos os dias recebo milhões de notificações de garotas perguntando e passando receitas um tanto malucas de como fazer o cabelo crescer num curto espaço de tempo.

Eu lia algumas coisas e achava super legais, de outras eu desconfiava, ficava com medo de algumas invencionices e do resto eu apenas ria muito. “Tem muita mina louca nesse grupo”, eu penso todas vezes que dou uma passadinha por lá.

Eu não tinha vergonha de participar desse grupo até sentar aqui pra escrever essa matéria.

Nessa semana, uma das meninas fez um post que provocou muita polêmica. Ela mostrou a foto de um cabelo gigante e danificado e disse que precisava de alternativas para melhorá-lo sem que precisasse cortar pois seu “boy magia” não gostava de cabelo curto. Em nome do desejo do “boy magia”, ela estava disposta a sofrer com aquele cabelo o tempo que fosse necessário.

Algumas meninas e eu tentamos alertá-la sobre a falta de magia do boy e de como, na verdade ele era machista. O que aconteceu? Ela ficou com raiva, excluiu o post e deu uma bronca em todas nós. Eu estava julgando loucamente a colega quando me lembrei da razão de eu também estar naquele grupo.

O senso comum diz que a mulher só é feminina quando tem cabelo comprido. Ela também só é sexy quando tem cabelo comprido. E meiga. E bonita. E mulher. Para esse mesmo senso comum, aquelas que nasceram com cabelos com dificuldade de crescimento, ou as que os usam curtos por opção, não são femininas, nem meigas, nem bonitas, nem sexy e muito menos mulheres.

A minha batalha com o cabelo já passou por diversas fases. Quando criança, queria ter o cabelão de belas tranças como as coleguinhas de sala. Quando adolescente, tive um namorado que dizia que ficaria muito mais bonita com o cabelo na cintura.

Nas revistas femininas nas propagandas, nos filmes pornô, as mulheres sempre exibem longas madeixas, que também são sexualidades (como todo o resto do corpo feminino). Cabelo grande pra tapar os seios, cabelão pra jogar nas costas, cabelo para puxar durante a transa.

Além de tudo isso, existe um preconceito grande com mulheres de cabelos curtinhos. A primeira reação das pessoas em volta é duvidar da sexualidade da menina. Olha a (falta de) cabeleira da Zezé. Será que ela é, será que ela é?

Todas essas questões ainda detinham a jornalista Mariana Nadai de fazer seu tão sonhado corte “joãozinho”. Para quebrar o medo, ela começou a pesquisar. Descobriu que joãozinho é uma terminologia machista. O certo era pixie hair. Pois bem: com algumas fotos de pixie hair, ela conversou com o marido e ele deu apoio.

Mariana estava cada vez mais segura de ir atrás do tão sonhado cabelo curtinho. Procurou um salão e contou o que queria. O cabeleireiro não deixou que ela cortasse de jeito nenhum. Propôs que fossem aos poucos. E assim, ela caminhou nesse processo de deixá-lo cada vez mais curto até que finalmente conseguiu o “pixie perfeito”.

“Me sinto muito mais bonita de cabelo curto porque meu rosto fica à mostra. Antes, eu ficava escondida atrás de um monte de pelos”, conta Mariana. E ela está de fato livre — literalmente e figurativamente.

A Mari (como todos a chamam) é conhecida como uma das mais bonitas no seu local de trabalho. Às vezes com maquiagem carregada, às vezes com brincões e às vezes de cara lavada, ela é feminina, meiga, bonita e sexy com seus cabelos tão curtinhos que não passam nem os dedos mindinhos.

Agora, Mari tem muito mais opções de fotos para referências de cortes. Diversas atrizes de Hollywood assumiram o pixie hair nas últimas produções, inclusive a sex symbol Jennifer Lawrence. No Brasil, Sophie Charlotte apareceu linda e curta no horário nobre da Globo.

A sexualização do cabelo da mulher diz muito sobre a visão sobre ela na nossa sociedade. Nenhuma parte do seu corpo está a salvo de ser considerada propriedade de outro — nunca dela própria.

Enquanto isso, gastamos muito dinheiro e nos submetemos a processos duvidosos a fim de satisfazer esse status quo sem sequer dar conta do porque o estamos fazendo.

A sensualidade não está presa aos cabelos longos. Nem a feminilidade, ou a beleza. Aliás, nada.

Originally published at www.siteladom.com.br on October 23, 2015.

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