Eu, Olga Hepnarová: um filme sobre solidão e tragédia

Vanessa Panerari
Lado M
Published in
3 min readNov 30, 2016

“Eu não entendo ninguém e ninguém me entende”. É a partir de fluxos de pensamento como este, expressos em cartas de Olga Hepnarová e de seu ponto de vista, que se constrói uma narrativa forte sobre fuga, não pertencimento, preconceito, violência e desprezo.

Eu, Olga Hepnarová (Já, Olga Hepnarová) é uma biografia sobre a jovem Olga, que, aos 22 anos, no início da década de 70, chegou ao seu limite emocional: matou 8 pessoas, deixou mais 20 feridas e ficou conhecida na Tchecoslováquia como assassina em massa. O filme é uma coprodução entre República Tcheca, Polônia, Eslováquia e França. Com direção de Tomás Weinreb e Petr Kazda, esteve em cartaz na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na categoria “Competição de Novos Diretores”.

Durante 105 minutos acompanhamos a trajetória de uma jovem mulher solitária, que possui uma família emocionalmente distante, sofre com agressões e hostilidades por ser lésbica, trabalha como motorista em uma empresa majoritariamente composta por homens e tem seus conflitos psicológicos negligenciados a todo instante.

Olga Hepnarová quase não fala, tendo uma postura corporal retraída o tempo todo, como se quisesse se voltar para si mesma e abdicar do exterior. Logo no início do filme, ela tenta se matar tomando remédios e não consegue. Nesse instante, nos damos conta de que suas tentativas são frequentes, assim como seu desprezo e ódio por uma sociedade que em momento algum se mostra apta a lidar com sua sexualidade ou com seus problemas psicológicos. A cena em que Olga está no hospital depois de fazer uma lavagem estomacal por causa dos remédios e é agredida por outras meninas deixa claro o que faz com que a vida seja tão insuportável para ela.

O único instante em que vemos Olga Hepnarová sorrir é quando ela consegue manter algum tipo de relacionamento com uma colega do trabalho depois de uma relação sexual entre as duas que a faz sentir que pode, de alguma maneira, ser quem é. Mas isso dura pouco, até Olga ser trocada por uma outra moça.

Em determinado momento, a protagonista sai da casa da mãe e vai morar sozinha em uma cabana fria e desconfortável. Fica evidente que ao preferir a cabana, ela opta na verdade pela solidão e a frieza físicas do que as emocionais que encontrava em casa.

A ausência de cor, como as imagens em preto e branco, dá o tom da apatia sentida por Olga Hepnarová, do marasmo e abatimento no qual sua vida se imergiu. Os longos intervalos de silêncio, diálogos curtos e quase nenhuma trilha sonora também demonstram o quanto não há o que ser dito, o quanto a vida se tornou letárgica. Tais recursos fazem com que o espectador seja levado ao mundo sensível da protagonista, mas, somente quando escreve suas cartas, ou em suas sessões de terapia, temos acesso ao que ela de fato expressa sobre seus pensamentos, dores e angústias.

Quando chega ao seu limite, Olga decide que seu suicídio seria muito pouco. Ela não queria ser mais uma vítima silenciada e esquecida da sociedade violenta (esta que inclui a família, emprego, conhecidos, médicos) que sempre a brutalizou por ser “diferente”, tanto por sua sexualidade quanto por seu comportamento desconectado e não amigável. Para ela, essa sociedade seria arrogante demais para se responsabilizar pelos danos causados a ela e a tantas outras pessoas. Por isso, decide que precisa se vingar.

Num ímpeto de desespero, Olga comete um ato violento, cena que podemos considerar como a mais forte e significativa, já que mostra uma tentativa de chamar a atenção a sua causa antes de morrer, dada uma possível condenação à morte. É quando fica explícito também que, haja o que houver, a sociedade sempre prossegue massacrando os indivíduos com seus padrões impostos e com seu roteiro que não pode ser interrompido.

Ao contrário do que afirma sua mãe logo nas primeiras cenas, a protagonista não é fraca. Ela luta e resiste da maneira que consegue e isso a consome porque é uma luta solitária. Eu, Olga Hepnarová é um filme intenso, que causa desconforto e vem daí sua beleza. São desconfortos necessários. Um exercício de empatia.

Originally published at www.siteladom.com.br on November 30, 2016.

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