Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem dá voz à personagem histórica silenciada

Mariana Miranda
Lado M

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Durante o século 17, coisas estranhas supostamente aconteceram na aldeia de Salem, nos Estados Unidos. As filhas do Reverendo Samuel Parris alegaram que estavam sendo atacadas por criaturas invisíveis e demoníacas. A partir disso, a aldeia se viu determinada a encontrar quem seria o culpado de façanhas tão terríveis. E foi assim que três mulheres foram acusadas de bruxaria, dando início ao famoso movimento de Caças às Bruxas em Salem. Uma delas era Sarah Osborne, uma mulher já idosa. A outra era a moradora de rua Sarah Good. E, por fim, temos Tituba, que ficou conhecida futuramente como a “bruxa negra de Salem”.

Fato é que pouco se sabe sobre a vida de Tituba. Por conta da cor da sua pele e do seu conhecimento de ervas medicinais, a mulher foi alvo fácil para as denúncias do vilarejo puritano americano. O que se sabe é que ela chegou a confessar o pacto do demônio, já que preferiu ser presa do que sofrer os maus tratos na casa de Samuel Parris, seu senhor.

Boa parte da trajetória da escravizada se perdeu na História. Aos olhos dos puritanos da época, o destino de Tituba não valia a pena ser registrado.

É por conta dessa historiografia racista que a escritora caribenha Maryse Condé resolveu dar voz para a mulher que há três séculos teve sua história silenciada. Em Eu, Tituba: bruxa negra de Salem, a autora mistura registros históricos com ficção para completar os buracos que permaneceram abertos, nos apresentando a história pelo olhar de Tituba, a narradora do livro.

Tituba, a bruxa negra

No romance Eu, Tituba: bruxa negra de Salem, a protagonista é fruto de um estupro. Crescida em meio aos escravos em Barbados, a pequena Tituba viu as mais diversas crueldades para com seu povo. Depois de perder a mãe, ela é criada por Man Yaya, que a ensina tudo sobre ervas medicinais e os remédios da natureza.

Tituba cresce e se torna referência quando o assunto é curar e ajudar os escravos feridos. Ela vive uma vida solitária e isolada quando conhece John Indien, homem forte e de riso fácil, pelo qual se apaixona perdidamente. Mesmo com as advertências de seus invisíveis, os epíritos de entes queridos que já se foram, Tituba coloca em sua cabeça que quer aquele homem para si de todo jeito.

Tituba e a arte de amar

Ao longo do romance, fica claro que Tituba sente à flor da pele o amor pelos homens e essa é a principal razão de sua perdição. A protagonista consegue se casar com John Indien, porém seu futuro se torna muito mais sombrio: ela volta a ser escravizada, é maltratada de diversas formas e se vê em um navio rumo aos Estados Unidos, abandonando Barbados, sua amada terra natal.

Já em posse de Samuel Parris, Tituba se aproxima das crianças brancas da família e acaba cuidando principalmente de uma das filhas do reverendo. Quando percebe que a garota começa a adoecer, Tituba usa seus conhecimentos medicinais para afastar o mau presságio da criança. Contudo, a prática não é bem vista pela pequena e por suas amigas, que começam a acusar Tituba de bruxaria.

“O que é uma bruxa?
Percebi que em sua boca a palavra estava manchada de degradação. Como é isso? Como? A faculdade de se comunicar com os invisíveis, de manter um laço constante com os finados, de cuidar, de curar, não era uma graça superior da natureza a inspirar respeito, admiração e gratidão? Por consequência, a bruxa, se desejam assim nomear aquela que possui essa graça, não deveria ser adulada e reverenciada ao invés de temida?”

Traída por aqueles que ama, Tituba se vê em uma posição em que precisa lutar pela própria vida e encontrar uma forma de retornar para Barbados.

Tituba, por Maryse Condé

Em Eu, Tituba: bruxa negra de Salem, nós acompanhamos o que seria a vida de Tituba pelo olhar de Maryse Condé. Por mais que não deva ser levada como um retrato histórico literal, o romance nos dá a possibilidade de imaginar uma Tituba poderosa, afetuosa e destemida.

A obra foi amplamente elogiada por jornais como The New York Times e por mulheres renomadas como Conceição Evaristo e Angela Davis. Eu, Tituba: bruxa negra de Salem ganhou o New Academy Prize de 2018, também conhecido como prêmio Nobel alternativo. O livro chegou ao Brasil pela editora Rosa dos Tempos e conta com a tradução da premiada escritora Natalia Borges Polesso e tem seu prefácio escrito por Conceição Evaristo.

“Por volta de 1693, Tituba, nossa heroína, foi vendida, na prisão, pelo preço de ‘sua pensão’, suas correntes e seus ferros. A quem? O racismo, consciente ou inconsciente, dos historiadores foi tamanho que ninguém se importou. […] Quanto a mim, eu ofertei a ela um final de minha escolha.”, Marysé Condé

A autora de Eu, Tituba

Maryse Condé é feminista, professora emérita de francês e filologia romântica na Columbia University. É autora de mais de vinte livros, de diversos gêneros literários.

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Mariana Miranda
Lado M
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Formada em Jornalismo pela ECA-USP e cofundadora do Lado M