Feliciano é acusado de estupro e nós não vamos nos calar

Helena Vitorino
Lado M
Published in
3 min readAug 9, 2016

A jornalista e ativista do Partido Social Cristão, Patrícia Lelis, denunciou há pouco tempo as investidas sexuais sem consentimento (leia-se: ESTUPRO) por parte do Deputado Marco Feliciano, do mesmo partido, PSC. Feliciano teria atendado sexualmente contra Patrícia forjando um suposto encontro da liga jovem do Partido. Ao ter sua investida recusada, teria ameaçado e agredido Patrícia, deixando-a inclusive lesionada.

O primeiro local de denúncia de Patrícia foi em um dos ambientes em que se sentia mais confortável e acolhida, um ambiente que convergia com suas opiniões e fazia coro aos seus discursos: o Partido Social Cristão. Não foi lá, no entanto, que Patrícia recebeu o acolhimento e o crédito que esperava às suas acusações: em depoimentos e gravações, a jovem confirmou que as lideranças do Partido, ligadas fortemente ao Deputado, coagiram-na a esquecer de suas denúncias e a desistir de levar a denúncia adiante.

O princípio cristão de que “todos são inocentes até que se prove o contrário” não valeu para Patrícia, mas somente para Marco Feliciano. O ocorrido com a pastora Bianca Toledo não foi diferente: todo tipo de violência baixa e machista surgiu em sua página após denunciar um caso de pedofilia intrafamiliar, e grande parte da violência veio de um núcleo antes muito familiar e acolhedor à Bianca: a igreja.

Em sua ultima entrevista concedida, com muita surpresa e veemência na voz, Patrícia afirmou que não foi a igreja nem o PSC, seus círculos mais próximos, que abraçaram sua denúncia e ofereceram apoio. O auxílio veio de onde menos esperaria: do movimento feminista. As críticas fortes e contrárias ao feminismo não foram empecilho para que todo o movimento feminista — páginas, sites e canais das redes sociais — se tornassem o maior veículo divulgador e propagador do abuso sofrido por Patrícia. Mesmo reforçando seus ideias conservadores, Patrícia confessou que o movimento feminista foi, a princípio, o único que a ouviu, além de ter feito um esforço enorme para que sua história não caísse no limbo do abafamento que as grandes mídias insistem em naturalizar — a história não está sendo amplamente divulgada nos canais de comunicação como aconteceu, por exemplo, com o caso de agressão da ex-modelo Luiza Brunet.

“Até então, nada dessa natureza tinha acontecido comigo…” Com essas palavras, Patrícia se definiu como humana, ao relatar num vídeo sua decepção com a “Direita”, que se precipitou em condená-la pela denúncia. Definir-se como feminista não é (ainda) uma prioridade para Patrícia e talvez nunca seja. Mas não precisa, Patrícia: o feminismo, para te proteger, não exige “cartão de fidelidade”.

Escrevemos este texto para lembrá-la de que o feminismo não está te exigindo nenhum certificado de elegibilidade para abraçar sua causa. O feminismo não vai checar sua carteirinha de aborteira nem sua escala de relações sexuais da semana. O feminismo não vai te exigir os peitos de fora para entrar numa reunião, e nem vai te colocar para fora se seu posicionamento for de direita ou esquerda. Acima de tudo, o feminismo não vai te exigir COMPROVAÇÕES do seu abuso. O feminismo quer apenas que você fale por você, com as letras, pontos e vírgulas que você estiver disposta a usar.

O feminismo te defenderá mesmo quando você acreditar que ele é um mal a ser combatido. Ele estará com você naquela rua escura, sozinha à noite, voltando para casa. O feminismo estará com você na reunião de trabalho, na sala do chefe e dentro de casa. E, se for preciso, o feminismo estará com você quando as outras instâncias não estiverem, seja sua igreja, sua família, seu partido, seus amigos.

O feminismo quer a liberdade das mulheres. E como “liberdade” é um conceito ambíguo, o feminismo quer apenas que você interprete a sua liberdade, e viva dentro dela. Se você entende que liberdade significa não casar e não ter filhos, o feminismo está com você. Se você entende que liberdade é viver a sua religiosidade em plenitude, o feminismo está com você também. E se por liberdade você entende denunciar uma agressão, o feminismo jamais, jamais te deixará sozinha.

A única pré-condição para usar do feminismo já está em você, e não tem nada a ver com sua reputação, seu pudor, suas crenças: você é mulher. E o feminismo é pra você.

Originally published at www.siteladom.com.br on August 9, 2016.

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