Feminismo: pensamentos pra quem chega, já conhece ou quer saber mais

Maria Alice Gregory
Lado M
10 min readDec 4, 2014

--

Não sei até que ponto isso foi da minha experiência pessoal com o feminismo, e até onde é realmente algo pelo qual as pessoas passam, mas, conversando com colegas que também se familiarizaram com o movimento feminista nos últimos 2 ou 3 anos, percebi que o sentimento era mais coletivo do que imaginava.

Bem ou mal, salvo uma parcela relativamente menor de pessoas que já foram criadas em ambientes de militância, acabamos sendo educados pra achar o feminismo algo extremista ou exagerado. Na minha experiência, era algo que só cruzava a minha vida quando via moças com os seios de fora militando nas ruas em algum programa de TV ou quando algum seriado mencionava (muitas vezes ironicamente) que determinada personagem era feminista por odiar homens ou simplesmente por ser ranzinza e masculinizada.

Conforme entrei na faculdade e fui aos poucos convivendo com mulheres feministas e coletivos universitários, percebi o quanto havia me fechado a vida inteira pra uma luta que tinha tudo a ver comigo — em todos os sentidos.

Embora eu reconheça que, para muitas pessoas do meu círculo social privilegiado e relativamente erudito (que, bem ou mal, já têm uma familiarização bem mais enraizada com o movimento do que a maioria das mulheres que ainda não ergueram as mãos para a luta), essa listinha possa parecer até meio boba. ésempre bom lembrar que, para cada frase abaixo que achamos que já constata uma realidade muito comum, existem pelo menos 100 pessoas que ficarão chocadas em se dar conta disso.

Compartilho, assim, alguns pensamentos que contemplaram boa parte da minha evolução na pesquisa das diferentes temáticas do feminismo e do meu processo de desconstrução de toda uma gama de preconceitos.

1. Muita gente ainda não entrou nessa por repetir o mantra “Feminismo? Não não, acredito na igualdade dos gêneros”

Todo mundo conhece alguém que já soltou essa pérola. Ou pior: ainda foi mais fundo e lançou aquela do “sou humanista!”, como se realmente fosse um movimento à parte e que o feminismo, de alguma forma, seria uma versão inversa do machismo, algo que prezasse por uma “supremacia feminina”. A única coisa que eu consigo pensar, quando me deparo com esse tipo de afirmação agora, é: “Se você realmente acredita na igualdade e não se considera feminista, realmente, você não sabe nem o que é feminismo”.

2. Cedo ou tarde, ao nos familiarizarmos com o tema, passamos pela fase de militante de mural

É aquela coisa. Você agora conhece um pouco do movimento, andou fuçando um coletivo aqui e ali e começou a perceber o mundo de uma forma diferente. Realmente, o machismo está em todo lugar: está na sua escola, no seu cursinho, na faculdade, na rua, em casa, na padaria, na política, na moda, na publicidade e por aí vai. Cada propaganda machista, piadinha sexista na TV ou na internet, comentário tosco de algum cara ou representação de mulher na cozinha te dá um asco gigantesco e você sente que tem que compartilhar isso com o mundo — na verdade, com todo mundo.

Não vou dizer que essa fase passa. Você continuará a ver o mundo e todos os seus problemas com esses olhos para o resto da vida, mas a “fantasia” disso tudo acaba se dissolvendo com o tempo, principalmente quando você percebe que o machismo que você vê no seu dia a dia nunca poderia ser inteiramente denunciado no mural do seu Facebook, e que os três likes que você recebe de amigas que também compartilharam a mesma coisa no mural delas não são muita coisa perto de outras ações que você poderia se dedicar em sua militância.

3. Não se deixe cair no buraco negro do “Sou feminista, mas acho muito exagerado e feio essas moças que saem de peito de fora na rua ou ficam com muito pelo no sovaco”

Amiga, deixa eu te contar: ninguém vai te obrigar a fazer nenhuma dessas coisas. Cada uma tem seu jeito próprio de militar, que vai da sua vivência pessoal. Se você acha que, para combater o machismo, você não precisa sair de peito aberto na rua, ok, faça isso. Mas julgar outras feministas por fazer isso nada mais é que reproduzir mais um discurso machista que não vai trazer nada de positivo para a luta. Os motivos que levaram aquelas mulheres a militar do jeito que militam passa por milhares de fatores que não necessariamente envolvem o que você acha certo ou errado sobre o corpo delas. E, no mais, você mesma está nessa porque acredita que devemos ter autonomia sobre os nossos corpos, não?

4. Você vai se dar conta do quanto você já pode ter chamado outras meninas de “vadia” e ter julgado quem ficava com muitos meninos/meninas.

E dá uma puta vergonha, não? Infelizmente, quase todas nós crescemos entendendo que mulher que fica com vários é puta, mas homem que fica com várias é normal. Que expressar nossa sexualidade é algo feio e que “moça direita” é discreta e come quieta. Por favor, né? Slut-shaming é uma das milhares de faces do machismo no nosso dia a dia e, infelizmente, uma das mais fáceis de se reproduzir ou ser conivente. Cada uma é cada uma e o que uma faz com o seu próprio corpo nada tem a ver com o que você faz com o seu. Mas, indubitavelmente, é um dos momentos de maior revelação pessoal e vergonha alheia quando percebemos o quanto já pudemos ser coniventes com essa conduta.

5. Estupro é MUITO mais comum do que se imagina.

Os dias de achar que estupro era algo que acontecia com a mesma frequência que serial killers entravam em escolas metralhando todo mundo acabaram. Estupro É SIM algo muito comum e que pode acontecer com pessoas muito mais próximas que você imagina, tanto pro lado das vítimas (pessoas que você conhece já podem ter sido abusadas, mas nunca tiveram coragem de compartilhar), quanto dos agressores (conhecidos seus podem já ter agredido diversas mulheres sem nunca ver culpa em seus atos). É importantíssimo que cada vez mais lutemos para que a sociedade reconheça a relevância dessa pauta e do feminismo e mais pessoas se conscientizem para NUNCA culpabilizar a vítima.

6. O Brasil não abriga a cultura mais machista do mundo, mas está longe de ser o melhor

Por vezes nessa caminhada de desconstrução acabamos encontrando relatos de moças que são obrigadas a se virar em rotinas de um patriarcado muito mais pesado do que o que vivenciamos no nosso país. Mulheres que são apedrejadas por dormir com mais de um homem, moças que são deserdadas depois que a família descobre que foram estupradas e até meninas que são mortas todos os dias na luta por seus direitos enquanto seres humanos.

Quando nos deparamos com esse tipo de notícia, a imagem que recebemos é a de que o nosso país está muito a frente na caminhada pela igualdade e na disseminação do feminismo no dia a dia (o que, inclusive, na cabeça de algumas pessoas, já foi alcançado há muito tempo), mas não se engane. A opressão que não vivemos não minimiza nem um pouco sua existência e relevância. Não é porque seus pais nunca te deserdariam por um motivo desses que não existam mulheres na sua rua que sofreriam algo muito parecido — ou pior. É preciso abrir os olhos para o que realmente acontece à nossa volta antes de nos dar por entendidas de situações que não vivemos.

7. Você vai perceber que mulheres podem ter pintos. E homens podem ter vaginas!

Acredito que nem todo mundo passou por essa fase em sua preparação na militância e descobrimento do feminismo, mas é crucial que as pessoas entendam isso. Gênero não é algo que pode ser determinado exclusivamente pela genitália que carregamos ou pelo que nos é assimilado quando nascemos. Cada um compreende a sua identidade com o desenrolar da vida e da personalidade e não cabe a mais ninguém, além de nós mesmos, determinar o que somos e como é mais confortável para que se refiram a nós. E não custa nada respeitar a identidade dos outros: você não perde nada chamando de “ela” alguém que te parecia “ele” num primeiro momento, ou se policiar pra não usar nenhum pronome necessariamente determinante em seu discurso.

8. Aborto é algo que diz respeito à decisão da mulher — o corpo é dela e cabe a ela decidir.

Permitir que o aborto seja realizado de forma legal e segura não significa que alguém vai te obrigar a abortar, muito menos que todo mundo vai sair abortando. Eu ainda sonho com um futuro em que a gente possa olhar pra trás e ver essa questão como “algo tão óbvio, como tinha gente que ainda discordava tanto disso?”. A legislação que temos hoje em dia está longe de ser suficiente pro número de casos que terminam em tragédia por não ser algo regularizado — e isso não pode continuar passando despercebido só porque um conglomerado de gente acredita que é algo errado por motivos egoístas e que desconhecem o feminismo (e que, “coincidentemente”, não os afetarão diretamente porque, guess what, a maioria dessas pessoas são homens).

9. Feminismo não é algo único de pessoas com uma única cabeça e ideologia

Assim como qualquer outro campo de militância, o feminismo também tem suas vertentes, diferentes ideologias e diferentes formas de manifestação. Por mais que a pluralidade de ideias quase sempre seja algo positivo, muitas vezes esse embate de ideias provoca picuinhas que se estendem a discussões quilométricas nas redes sociais, e nem todo mundo sai satisfeito com o que aprendeu.

O importante é ter em mente que, independente das pautas que se priorizam em cada vertente, a luta deve seguir; estamos nessa juntas e atirar umas contra as outras não é tão mais produtivo que simplesmente não fazer nada. É, sem dúvida, uma discussão delicada, dado que algumas vertentes englobam em suas crenças principais a exclusão de pessoas trans* e bissexuais, mas, assim como não podemos confundir discurso de ódio com liberdade de expressão, não se pode entender fobia a grupos que também sofrem com a opressão patriarcal como pauta de militância.

10. White feminism não pode passar despercebido.

Enquanto mulheres, todas temos nosso quê de protagonismo na luta pela nossa segurança e os nosso direitos. Mas isso não quer dizer que, enquanto parte de nós é branca, compreendemos toda a opressão que cerca a vida de uma mulher negra ou de outras minorias étnicas segregadas pela nossa sociedade racista. Muito além de compreender aquilo que sofremos juntas, a mulher branca tem sempre que se colocar numa posição de desconstrução do seu racismo e se mostrar aberta para ouvir o que a mulher negra tem a dizer. O reconhecimento de um privilégio nunca é algo único. Todo tipo de padrão opressor está sujeito a ter um enorme privilégio sobre suas vítimas, tornando essencial a eterna busca pela compreensão do que significam esses privilégios e como podemos amenizá-los e progressivamente anulá-los do nosso dia a dia.

11. E feminismo capacitista também não.

Da mesma forma que devemos reconhecer um possível privilégio racial, deve-se prestar atenção à opressão capacitista sobre as pessoas com algum tipo de deficiência. De marginalização já basta lá fora. O nosso movimento tem que abrigar TODAS as mulheres!

12. Mulheres sofrem, apanham, são ameaçadas e morrem simplesmente por serem mulheres.

Não adianta chegar aqui e ali com discurso de ‘mas morrem mais homens por x ou y motivo’, ‘mulheres não sofrem acidentes de trabalho’ ou ‘isso acontece com gente de todos os gêneros, não só com mulher!’. Mulheres sofrem (e muito!) todos os dias, todas as horas e todos os momentos pelo simples fato de serem mulheres: por lhes ter sido atribuído um papel de sexo frágil, por terem que representar as donas do lar e por serem constantemente reduzidas a um objeto que deve passar pela aprovação masculina antes de querer “ser” qualquer coisa na vida. E não, nenhum homem nunca vai poder entender por completo o que é viver um dia na pele de uma mulher.

Estes são apenas alguns dos muitos, eternos e infindáveis pensamentos que, torno a insistir, por mais óbvios que pareçam para uma parcela mais ativa e experiente na militância, para muitas mulheres ainda constitui um processo enorme de descoberta e libertação pessoal.

Siga a gente: Instagram e Facebook

Originally published at www.siteladom.com.br on December 4, 2014.

--

--