Formiga, a jogadora que luta pelo reconhecimento do futebol feminino
Miraildes Maciel Mota podia ser mais uma mulher soteropolitana correndo pela vida nas ruas baianas, desapercebida pela maioria, não fossem dois fatores: seu talento com a bola nos pés e sua vontade de viver de futebol.
E foram esses dois fatores que contrariando toda a falta de expectativa que o esporte oferece para atletas brasileiras, transformaram a menina Miraildes em Formiga, a única mulher no mundo a participar de seis edições dos Jogos Olímpicos* — todas em que a modalidade esteve presente — além de seis Copas do Mundo — recorde de participações que divide com a japonesa Homare Sawa.
Nascida em Março de 1978 na cidade de Salvador, desde de criança nunca se deixou atar pelos padrões impostos pela cultura patriarcal. Quando tinha 7 anos, ganhou uma boneca de presente enquanto seu irmão ganhava uma bola. Sua reação instantânea? Arrancou a cabeça da boneca e foi brincar com o presente do irmão. Única menina da família, fugia pra chutar bola nos campinhos escondida dos irmãos pra não apanhar. “Isso não era coisa para menina”.
O apelido de Formiga veio nessa época. Um torcedor que viu a baixinha e mirradinha correndo pra lá e pra cá, como boa volante que era e ainda é, com a dedicação de quem sempre joga pela equipe, disse que ela parecia uma formiguinha dentro do campo. Foi o suficiente para o apelido pegar — isso e o fato dela não ter gostado, a princípio.
E foi a bola que, mesmo nesse mundo dominado por homens, levou Formiga em 1993 do subúrbio de Salvador para São Paulo. E em 1995, aos 17 anos, Formiga já estreava na Seleção Brasileira na Copa do Mundo na Suécia.
Profissionalmente, Formiga iniciou a carreira jogando no São Paulo, depois na Portuguesa, então São Paulo de novo, daí Santa Isabel, e no Santos. Foi quando veio a prata Olímpica em Atenas (2004) e com ela o salto pra carreira internacional. Foram dois anos jogando no suíço Malmo FF Dam, e depois mais dois nos americanos New Jersey Wildcats e Jersey Sky Blue (um em cada). Em 2007 voltou para o Brasil e passou pelo Saad e pelo Botucatu. Em 2009 voltou pra terra do tio Sam, primeiro no FC Gold Pride e depois no Chicago Red Stars. De volta ao Brasil, defendeu por 5 anos a equipe do São José, liderando a mulherada nos bicampeonatos da Copa Libertadores de Futebol Feminino e da Copa do Brasil — e no meio disso ainda passou um tempo emprestada para o América de Natal.
Em 9 de Junho de 2015, 20 anos depois da sua estreia com a amarelinha, Formiga adicionou mais um recorde a sua lista: tornou-se a jogadora mais velha a marcar um gol em Copas do Mundo, aos 37 anos, 3 meses e 6 dias, no jogo de estreia contra a Coreia do Sul, sua sexta Copa do Mundo!
Hoje, aos 40 anos, Formiga ainda atua como meia, está há 2 anos no clube francês Paris Saint German*, mirando a sétima Copa do Mundo pela Seleção e parece que não vai parar tão cedo! Mas em todo caso, já disse mais de uma vez que quando as pernas não aguentarem mais pretende mudar de dentro para a beira do gramado e tentar seguir carreira como treinadora.
Dona de um futebol tranquilo, consciente e objetivo, Formiga tem a consistência e a maturidade que sua experiência só faz ampliar. Ainda hoje é dessas que não dão espaço pra marcação no meio de campo e ainda aparece surpreendendo no ataque. Em seus mais de 25 anos de carreira futebolística, Formiga tornou-se não só referência dentro, como também fora de campo. Ela é uma das pessoas que mais trabalha e luta pelo reconhecimento do futebol feminino brasileiro. Um trabalho que sabemos bem que é de “formiguinha” por aqui, onde enquanto os jogadores homens ganham salários exorbitantes, as mulheres ainda lutam para alcançar a mínima visibilidade necessária pra conseguir manter os times de pé.
Mulher, nascida em um país onde o futebol feminino, apesar de ter tantas atletas de destaque mundial — feito Cristiane, Rosana, Andressa Alves, Andressinha, Erika e tantas outras, sem falar de Marta — é uma das modalidades que o machismo mais mantém jogada pra escanteio, e mesmo assim ainda conseguiu e consegue ser tão brilhante e humilde na mesma medida. E com seu sempre presente sorriso no rosto… Formiga é ou não é uma gigante?! Uma mulher show de bola!
*Atualizações de 2021: Formiga jogou a 7a Olímpiada em Tokio 2020/21. E assinou com o São Paulo, voltando para o Brasil onde pretende virar a chave dentro do campo/beira do campo.