Futebol feminino brasileiro: da proibição à falta de incentivo

Julia Biagini
Lado M
4 min readMay 31, 2017

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Sempre foi muito difícil jogar bola. Quero dizer, no sentido de poder entrar em quadra e pertencer àquele lugar em sua totalidade. O futebol é a primeira “brincadeira” na vida de uma garota da qual ela é excluída. Porque é “perigoso” ou ela vai “se machucar”. Porém, o amor pelo esporte faz com que muitas meninas lutem pelo seu espaço com as chuteiras nos pés.

Um difícil começo

Em 1898, aconteceu a primeira partida disputada por mulheres, num jogo entre Inglaterra e Escócia. No Brasil, 1921. Mas foi em 1979 que mulheres foram autorizadas a praticar futebol. Só em 1979. Durante a ditadura de Getúlio Vargas, criou-se uma legislação que proibia pessoas do sexo feminino entrarem em campo para jogar o amado esporte brasileiro. O pretexto? “A mulher não poderá praticar este esporte violento sem afetar seriamente o equilíbrio fisiológico de suas funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ser mãe”, escreveu José Fuzeira numa carta que originou a promulgação da Lei. Ele ainda completou afirmando que a prática do futebol poderia alterar a relação de gêneros, tornando- as “propensas a exibicionismos”, havendo a possibilidade de um levantamento do movimento feminino.

O incentivo ao futebol feminino

Durante a formação de uma criança, há um grande incentivo às atividades físicas. No entanto, a relação esporte-gênero acabou incrustada de uma forma tão densa na nossa cultura (exatamente por essa parte histórica), que fez com que os esportes não fossem apresentados igualmente a todos. Futebol sempre foi “coisa de menino” e o Handebol, Vôlei se encaixam no perfil feminino. Percorrer o caminho contrário é quebrar uma regra muito grande. Quase um desaforo.

Mas por qual razão? Os três esportes citados envolvem bolas e desenvolvimento corporal. É de conhecimento geral que muitos meninos, aos 13 anos, são prometidos aos grandes clubes profissionais. Existe um investimento grande na preparação de base desses garotos, mas definitivamente não há incentivo, não importa em que fase, para o futebol feminino. É a construção de ser um esporte popular dominado por homens, que tem a finalidade de os unir.

O esporte universitário

Foi na universidade que descobri o futebol sendo tratado com a mesma importância para ambos os sexos. Mesma quantidade de técnicos, treinos, jogos. É um ambiente confortável para o desenvolvimento de bons resultados. Pessoas que dão tudo de si, junto com gente que quer crescer e fazer o esporte acontecer.

Porém, a objetificação da mulher em campo ainda existe e é descarada. Do aquecimento ao fim de jogo escutam-se vozes dizendo: “gostosa”, “volta pra cozinha”, “linda”. A sexualização é pesada, e depois vem os xingamentos. Isso marca, traumatiza. Perguntas do tipo “Nossa, futebol? Você? Sério?” continuam presentes em encontro familiares.

Por que investir no futebol feminino?

O mais fácil seria perguntar: “Por que não investir no futebol feminino?”. Mulheres consomem futebol masculino. Fato. Devemos buscar a inversão dos fatores. Valorizar, chamando a atenção para essa categoria que vem crescendo e recebendo holofotes cada vez mais, mesmo que raramente e em momentos específicos.

Durante as Olimpíadas, vi um Itaquerão lotado assistindo à seleção feminina de Zimbábue e Alemanha. Uma arquibancada mista de gêneros e idades, vibrando com todos os seis gols das nossas amigas europeias como em qualquer outro jogo. Podemos e devemos ir atrás disso e fazer com que se torne uma constância.

No começo de 2017, a CBF apresentou no regulamento de licenciamento (conjunto de requisitos que deverão ser cumpridos pelos clubes interessados em participar de competições da CBF, da Conmebol e da Fifa), dos clubes brasileiros uma nova exigência que valerá a partir de 2019: clubes que disputam campeonatos nacionais e não tiverem times femininos, não poderão disputar a Copa Libertadores. De 20 clubes que disputam a série A do Campeonato Brasileiro, apenas 8 têm time feminino (Corinthians, Flamengo, Grêmio, Ponte Preta, Santos, Sport, Vasco da Gama e Vitória). Essa exigência já fazia parte do regulamento de clubes da Conmebol.

Marco Aurélio Cunha, diretor de futebol feminino da CBF, afirmou que não há desculpa para os clubes não montarem times de mulheres. Com 5% dos recursos do masculino é possível montar um time feminino.

Mulheres em quadra

A falta de patrocínio, o esporte considerado “amador”, sofrer com o preconceito e a cultura machista não são nada comparados à paixão pelo esporte. Isso que nos motiva. É fazer parte de um coletivo, sabendo que juntas somos mais fortes sim!
Estar em quadra é uma delícia. Ter um time, torcer, gritar até a garganta não ser capaz de produzir som algum. Mina dribla, faz embaixadinha. Joga pelada, batem bola, dá bicicleta, peixinho, carrinho e tudo mais que você encontrar no glossário do futebol.

Dar força e suporte às mulheres que vem fazendo o esporte feminino acontecer é um grande passo. Sua filha, irmã, vizinha, amiga: incentive e não pondere.
E lembre-se: Martas não existem só em época de Olimpíada.

Originally published at www.siteladom.com.br on May 31, 2017.

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Julia Biagini
Lado M
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a relações públicas que só consegue acalmar a mente quando escreve