Gloria Steinem: muito além da “coelhinha da Playboy”

Carolina Carettin
Lado M
5 min readJun 30, 2017

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Gloria Steinem é um dos nomes que nos vem à mente quando pensamos no movimento feminista. Nascida em 1934 em Toledo, Ohio, Estados Unidos, Steinem formou-se pela Smith College e trabalhou como jornalista, escritora e ativista. Para ela, “escrever é a única coisa que, quando faço, não sinto que deveria estar fazendo outra coisa”.

A profissão de seu pai fez com que ela tivesse uma educação incomum: por ser vendedor de antiguidades, ele viajava muito, o que fez com ela não frequentasse a escola regularmente até os 11 anos. Na Smith, Gloria cursou administração pública, uma escolha também incomum para uma mulher na época.

Outro caminho que Steinem não queria seguir era o do casamento. “Na década de 50, uma vez que você casasse se tornava o que seu marido era, então parecia que essa seria a última escolha que você faria… Eu já tinha sido a mãe muito pequena de uma pessoa muito grande — minha mãe. Eu não queria acabar cuidando de outra pessoa”, afirmou à revista People. Depois que seus pais se separaram, Gloria cuidou de sua mãe, que adoeceu por conta de problemas mentais.

Talvez seu artigo “Eu fui coelhinha da Playboy” seja o mais famoso. No texto, publicado em 1963 na revista Show, Gloria faz uma espécie de diário sobre sua experiência trabalhando como garçonete no Playboy Club de Nova York. Em entrevista para o The Guardian, Gloria diz que talvez o artigo não deveria ter sido feito. “Uma vez que as pessoas hostis ainda me chamam de uma ex-Coelhinha da Playboy, provavelmente não deveria ter feito isso na minha juventude, até mesmo para escrever um ensaio. (…) No entanto, se eu não tivesse feito, eu também poderia julgar outras pessoas por tais símbolos vazios”.

Gloria Steinem e o movimento feminista

A história de Gloria vai se misturando à história do movimento feminista nos Estados Unidos, principalmente na década de 70, época em que a segunda onda feminista se espalhou. Um gesto feminista que conhecemos hoje — o braço esticado com o punho cerrado — foi “criado” em 1971, numa foto icônica com Gloria e Dorothy Pitman-Hughes, por exemplo.

Gloria Steinem e Dorothy Pitman-Hughes.

Em 1971, Steinem se juntou a outras feministas, como Bella Abzug e Betty Friedan, e ajudou a fundar o National Women’s Political Caucus, um grupo que continua trabalhando para promover o número de mulheres eleitas em cargos e nomeadas em níveis nacional e estadual.

No ano seguinte, 1972, Steinem co-fundou a primeira revista feminista dos Estados Unidos, a Ms. Magazine e se manteve como editora por quinze anos. Sob sua direção, a revista tratou sobre tópicos importantes, incluindo violência doméstica. A Ms. Magazine tornou-se a primeira publicação nacional a publicar o assunto em sua capa em 1976. Como redatora freelance, publicou na Esquire, The New York Times Magazine e em outras revistas femininas.

Ela também escreveu extensivamente sobre questões das mulheres, lançando diversos livros, como sua coleção de ensaios, de 1983, Outrageous Acts and Everyday Rebellions, lançado no Brasil com o título Memórias da Transgressão.

Em 1986, mesmo ano em que foi diagnosticada com câncer de mama, Steinem lançou um livro que explora um dos maiores ícones dos Estados Unidos: Marilyn: Norma Jean. Outra obra sua, A Revolução Interior: Um Livro de Auto-Estima, tem como foco seu desenvolvimento pessoal. Steinem ficou surpresa com a repercussão, acreditando que uma autoimagem forte seja essencial para criar mudanças. “Precisamos ser corredores de longa distância para fazer uma verdadeira revolução social. E você não pode ser um corredor de longa distância, a menos que você tenha alguma força interior”, explicou à revista People.

Em seu trabalho mais recente Minha Vida na Estrada, que deve ser lançado pela editora Bertrand Brasil neste ano, Gloria conta a história de sua vida. Em entrevista para a Época, Steinem explicou por que decidiu escrever um livro sobre suas jornadas:

“Percebi que escrevia sobre problemas individuais ou pessoas que encontrava no caminho, mas não sobre como eu passava meu tempo. Também percebi que movimentos sempre precisam de organizadores que estejam na estrada. Claro, nós temos a internet agora, que é ótima, mas não é um substituto para estar em um mesmo ambiente. E a estrada tem sido um domínio masculino. Por essas razões, eu pensei que escrever sobre minha experiência poderia tornar visível uma forma de trabalhar, de se organizar, de que nós precisamos mais. E também dar às mulheres uma posse mais igualitária da estrada.”

A estrada ainda é um lugar predominantemente masculino. Perigosa, não acolhedora. “Qualquer coisa fora de casa é percebida como um lugar mais masculino do que feminino (…). Enquanto eu escrevia o livro, percebi que, estatisticamente, era menos seguro para as mulheres ficarem em casa, local onde elas têm mais chances de ser espancadas ou até assassinadas. Sei que essa não é uma comparação justa, porque não há tantas mulheres na estrada, mas ainda assim é surpreendente. Pensei que dizer isso poderia nos tornar mais conscientes e nos levar a sair de nossas casas e tomar o mundo como nosso”, afirmou à Época.

Este mesmo trabalho, Gloria dedica a um médico que a atendeu na Inglaterra, quando decidiu fazer um aborto. O procedimento ainda era ilegal no país. “Ir a uma audiência, no fim dos anos 1960, na qual as mulheres falavam sobre terem realizado abortos (referência a um evento do grupo radical Redstockings), antes de isso ser legal nos Estados Unidos, me fez consciente e levantou questões sobre por que era ilegal se uma em cada três mulheres americanas precisou de um aborto em algum momento de suas vidas. Percebi que era importante agradecer às pessoas. Achei que estava mais do que na hora de agradecer a ele”, disse à revista.

No ano passado, aos 82 anos, Gloria participou da Women’s March em Washington, protestando contra o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Após suas grandes contribuições tanto para o movimento feminista quanto para a história do jornalismo, Gloria diz que quer ser lembrada como alguém que deixou o mundo ao seu redor um pouco mais gentil e menos hierárquico.

Originally published at www.siteladom.com.br on June 30, 2017.

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Carolina Carettin
Lado M
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Jornalista, caipira de Araras, interior de São Paulo. É bailarina desde criança, ama ler e é fã da Rita Lee.