Homens e o Feminismo: pode apoiar, mas não protagonizar

Bia Krieger
Lado M

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Homem pode ser feminista? Em tempos de redes sociais, opiniões à vontade, voz para todos e ouvidos para poucos, esta pergunta tem pautado debates nos mais diversos grupos de esquerda e de feminismo. Das mais céticas às mais otimistas, a opinião sobre a participação masculina no movimento varia muito. Ninguém está aqui para caçar carteirinha de feminista de mulher alguma, porque entendemos que há motivos para cada um destes posicionamentos e que, antes de mais nada, estamos juntas na luta. O objetivo aqui é muito mais oferecer algumas considerações do ponto de vista de uma mulher que cansou de homens querendo cuidar do feminismo entre mulheres, enquanto o amigo continua fazendo piadinha machista ao lado dele.

Chamar homens para lutarem pelas mulheres é falar de sexismo sem problematizar a fundo os privilégios masculinos. Partir direto para o discurso de que “homens também sofrem com o machismo” impede a reflexão séria sobre como muitos deles oprimem as mulheres sim, e que já passou da hora de pararem. E eles devem mudar não porque também são vítimas, mas porque estão fazendo mal a outras pessoas. Não, cara, não estou dizendo que você é mau caráter, nem que faz por mal, nem que você age de forma machista voluntariamente, muito menos que inventou o patriarcado, mas digo, sim, que muitos homens perpetuam e se beneficiam muito dele — até mesmo, talvez, você.

Dois pesos e duas medidas

De fato, a sociedade impõe muitas cobranças de masculinidade aos homens e julga escolhas, traços ou comportamentos que fujam deste padrão. Porém, no imaginário coletivo, as características entendidas como masculinas são consideradas o ideal. Meninas e meninos crescem aprendendo que tudo o que é definido como “coisa de homem” é melhor. Ser racional é melhor que ser emocional. Engenharia dá muito mais dinheiro que Pedagogia. Trabalhar é bom, cuidar da casa é ruim. Vaidade, maquiagem e roupas são futilidades — mas ai da mulher que não se cuidar, hein?! Assim, mesmo que a criação dentro de padrões heteronormativos atinja a todos nós, os meninos, de maneira geral, são levados a gostar das próprias características masculinas, enquanto às meninas é imposta uma feminilidade que todos julgam inferior. As mulheres são ensinadas a odiar suas características que, ironicamente, a própria sociedade cobra delas. O machismo afeta o homem quando algo nele desvia da heteronormatividade; entre as mulheres, no entanto, desde aquela que personifica o ideal de feminino até a mais “masculina”, todas são julgadas constantemente, por serem ou “mulherzinhas demais” ou “pouco femininas”.

Mesmo quando falamos que o machismo impede que homens sejam sensíveis ou desenvolvam certas habilidades, isto não significa que eles sintam falta destas características. Afinal, por que sentiriam falta de atributos considerados “de mulher” e, portanto, inferiores? A triste ironia é que, até com as limitações que o sexismo põe aos homens, quem mais sofre são as mulheres: quem sente na pele a insensibilidade masculina? Quem se desgasta em dobro por não poder dividir com os homens a criação dos filhos? A cada vez que um namorado acha que ele não foi insensível e, sim, que a garota é emotiva demais, ele aceita este desequilíbrio, que alivia um lado e sobrecarrega o outro. Por isso, ainda que o machismo também os afete, é essencial que o feminismo trate de problematizar a fundo os privilégios dos homens.

De quem é a vez de falar?

Além da preocupação com as prioridades do discurso feminista, outra crítica à participação dos homens diz respeito ao comportamento que muitos adotam quando se consideram integrantes do movimento. O feminismo é o único espaço em que as mulheres ocupam o primeiro lugar e têm liberdade para falar. Muitos homens, quando se dizem feministas, ignoram já terem a liderança na sociedade e querem que as mulheres dividam com eles a voz que elas tanto lutaram para conquistar. Numa sociedade em que as mulheres são subalternas, o feminismo é um lugar de empoderamento feminino, mas os homens que exigem ser ouvidos lá dentro não estão dispostos a deixar o comando. A própria postura de brigar por atenção dentro do feminismo escancara como tais homens não entenderam de verdade o que é o patriarcado.

Um homem apoiador do feminismo tem muito a contribuir nos ambientes em que a discussão sobre a desigualdade de gênero ainda não foi introduzida — seja seu grupo de amigos homens, seja um círculo social onde ainda não há uma mulher feminista. Dentro do movimento, no entanto, é justamente onde se encontram todas as mulheres já conscientes das injustiças que sofrem e das conquistas que almejam. O que teria um homem, que não vive as mesmas coisas na pele e que cresceu numa cultura androcêntrica, a acrescentar na luta que é feita por mulheres e para mulheres?

É ótimo que homens queiram se conscientizar sobre o problema do machismo e desconstruir características e posturas que o perpetuem. Eles podem e devem apoiar a nossa luta. Contudo, não é papel deles (e não é nada feminista) ocupar a liderança em mais um espaço, o único que nos é garantido. Homens são bem-vindos como apoiadores, mensageiros do feminismo. Isso significa ouvir, incorporar e propagar, mas nunca definir. Quanto a este último, não adianta dizer que respeita as opiniões das feministas acima de tudo, mas logo querer argumentar sobre porque elas deveriam, sim, aceitá-lo no movimento. Homem, quer ser feminista? Comece aceitando o papel de apoiador.

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Originally published at www.siteladom.com.br on May 26, 2015.

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