HQ’s feministas : conheça A Jabuti Trans

Maria Alice Gregory
Lado M
4 min readNov 26, 2014

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A primeira vez que li um quadrinho d’A Jabuti Trans, achei uma das ideias mais fofas do mundo: um animalzinho fofo, trazendo mensagens positivas acerca de um tema bastante relevante nos dias de hoje, com traços simples e engraçadinhos.

Ao conhecer um pouco mais a Marina Tavares Koyama, autora e desenhista das tiras, pude entender um pouco de como se construiu a personagem da jabuti (a partir de uma caricatura da própria Marina, que, na época, desenhava a tartaruguinha fenotipicamente masculina com um lacinho feminino), que leva o nome carinhoso de “Bolinha” e seu papel importante na sua própria desconstrução dos conceitos enraizados de heteronormatividade com os quais cresceu cercada — aliás, encaremos, todos nós.

Leia a conversa que tive com a Marina:

Há quanto tempo você desenha a Jabuti Trans? De onde a ideia surgiu?

A Jabuti Trans nasceu curiosamente de uma representação em desenho que eu fiz de mim mesma aos 16 anos. Naquela época, achava que, se fosse algum outro animal que não gente, certamente seria uma jabuti bem lenta. Quando desenhei a jabuti Marina pela primeira vez — ela era igualzinha à Bolinha, com lacinho e tudo o mais — a fiz com rabinho, pois pouco sabia da anatomia desses bichos. Logo depois uma amiga me esclareceu que o rabinho era o equivalente ao pênis dos jabutis! Na época me apressei em apagá-lo, mas, 3 anos depois, a ficha caiu que não havia nenhum problema em uma jabuti ter lacinho e rabinho. Então surgiu a ideia de fazer uma personagem infantil trans — “afinal de contas, por que não?”. Ela não surgiu de uma pretensão transfeminista no início, — na época, inclusive eu nem conhecia bem o movimento — e sim de um exercício de liberdade de pensamento. Só depois fui perceber que ao criá-la havia feito automaticamente um comprometimento ético com todas as pessoas trans.

Você teve alguma experiência com quadrinhos antes?

Eu sempre fui louca por quadrinhos, e tive alguns amigos quadrinistas na adolescência. Já havia feito algumas pranchas de rascunho de projetos próprios com uns 17–18 anos, mas nunca havia passado de 5 páginas. Eram também projetos muito longos e difíceis de concluir. A Jabuti Trans foi minha primeira ideia prática, de tirinhas, fácil de manter — embora sinta dificuldades de prosseguir com as tirinhas até hoje.

Quais são as principais inspirações na hora de fazer cada tirinha? Você se inspira em coisas do seu dia a dia ou procura abordar temas mais externos a você?

Me inspiro bastante na minha própria experiência e em ideias que me surgem espontaneamente quando vejo um assunto em pauta. É divertido também tentar ver as coisas que estão acontecendo sob o olhar da Bolinha, que é de uma inocência e desconhecimento cultural absolutos! No entanto, por ser cis, tenho bastante dificuldade em produzir tirinhas com temática trans. Tenho medo que a minha ignorância sobre essa experiência atinja essas pessoas. Todavia já fiz algumas tirinhas sobre o assunto que foram bem aceitas pelo público trans, bem como a própria personagem, o que me encoraja bastante. Uma vez me chamaram a atenção para a linguagem que eu estava usando em uma tirinha, mas bastou corrigir para que tudo estivesse bem. São bem pacientes comigo!

Sobre a temática trans*, intrínseca à ideia geral das HQs: que tipo de contato você tem com esse mundo no seu dia a dia? Você conhece pessoas trans*, se interessa pelo tema, frequenta alguma disciplina/projeto dentro dessa área?

Infelizmente meu contato não vai muito além do mundo virtual. E, mesmo pelas redes sociais, o contato é bem escasso, pois tenho bastante dificuldade em ser presente virtualmente, o que impossibilita um vínculo forte com possíveis amigxs virtuais trans. Eu frequento grupos e leio bastante relatos de pessoas trans, principalmente das mulheres. Já aprendi muito com elxs, principalmente por cometer vários erros e notar o quão precisava me desconstruir nesse quesito! Foi um pouco triste porque comecei a perceber o quão ignorante eu era/sou, mas foi também fantástico para libertar a mente de todo esse condicionamento social que sofremos desde pequenos. Não procuro frequentar nenhuma disciplina acadêmica que coloque as pessoas trans como objeto de estudo porque acho que me falta ter contato com elxs mais pessoalmente, de perto. Como já disse, me falta conhecimento…

Você acha que a comunidade trans* é bem representada no mundo dos quadrinhos atualmente? Por quê?

Eu fico feliz que tenhamos cada vez mais autorxs trans produzindo boas histórias, muitas delas inclusive autobiográficas. Eu pessoalmente acho que o mundo dos quadrinhos está evoluindo bastante, e de maneira bem política, fervilhando movimentos sociais. No entanto, as únicas pessoas que podem dizer de fato se a comunidade trans vem sendo bem representada nas hqs são as da própria comunidade trans.

Você tem alguma parceria com outras páginas de quadrinhos? Se sim, quais? (se não tiver, quais páginas você recomendaria para leitores que procurem um conteúdo semelhante ao da Jabuti Trans?)

Eu não tenho parceria com outras páginas de hqs. Para quem tiver interesse na temática trans, sugiro fortemente a página Sasha A Leoa de Juba. Há outras páginas de quadrinhos transfeministas, mas o tema não é exclusivamente focado na transgeneridade, como as ilustrações da Carol Rosseti e as tirinhas da Tailor.

Você se considera feminista? Se sim, tem alguma vertente que você tenha mais afinidade? Por quê? (ex: interseccional, radical, cultural, liberal, etc?)

Sim, me considero feminista. Não tenho muito conhecimento sobre todas as vertentes que existem, mas acho que me identifico mais com a transfeminista. Tudo que li sobre transfeminismo até agora me pareceu sensato e justo.

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Originally published at www.siteladom.com.br on November 26, 2014.

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