Já transei várias vezes contra a minha vontade e isso também é estupro

Lado M
Lado M

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A primeira vez foi aos 13 anos. Eu estava na casa de uma amiga e não conseguia dormir, então fui para a sala de TV e seu irmão, 3 anos mais velho, chegou da balada e se deitou ao meu lado. Começamos a conversar normalmente. Depois de um tempo ele começou a me acariciar, pedi para parar. Ele disse que eu ia gostar daquilo, insisti que parasse, ele não me ouviu e deitou em cima de mim me deixando sem movimento. Ele gozou no meu peito e eu saí correndo para o banheiro me lavar.

A segunda foi aos 15. Eu namorava um menino da minha classe. Ele era bem legal e fazíamos tudo junto, até que um dia, vendo filme na sua casa, ele disse “meu objetivo principal para esse namoro é transar”. Nós dois éramos virgens e topamos tentar. No dia, eu estava tensa, ele tentou penetrar uma vez e não conseguiu, eu pedi para parar e me levantei. Ele trancou a porta do quarto e disse que só sairíamos depois de ele gozar. Eu topei, fiquei com medo de ele se decepcionar comigo e não me querer mais. Doeu tanto.

A terceira vez foi aos 17, com outro namoradinho. Ele era 4 anos mais velho e tínhamos feito juras de amor eterno, além de me dar um certo status na escola: eu era a única que namorava um cara que tinha carro. Um dia discutimos muito, eu estava desconfiada de traição, ele afirmava que era tudo coisa da minha cabeça, mas, depois de uma chantagem emocional, “tudo ficou bem”. Na mesma noite fui para sua casa para jantar, ao final fomos para seu quarto e ele tentou me agarrar, eu disse que não estava afim, que queria curtir só nós dois. Ele falou que era muita falta de consideração eu ir na casa dele e não transar. Contra a minha vontade, transamos. E, nos próximos seis meses que namoramos, quando chegava na casa dele ele abria a porta pelado e já de camisinha. Eu tinha tempo apenas de tirar minha roupa.

Na faculdade, houve inúmeros outros. Frases como “Poxa, te dei carona e você não vai me dar nada”, “Mas já que a gente tá aqui, por que não transar?”, “Você transou com meu amigo, por que não quer comigo também?”, fizeram parte do meu cotidiano. Na maioria das vezes, cedia. Isso faz de mim uma vadia? Na maioria das vezes, as frases eram seguidas de chantagens emocionais e, algumas vezes, de princípios de violência física. No final, eu já via transar como uma obrigação toda vez que ficava com um cara e aprendi meios de fazê-los terminar logo e fingir que eu tinha tido orgasmos múltiplos.

A vez que mais me marcou foi no meu último evento de jogos universitários. Desde a festa dos bixos, eu estava ficando com um cara um ano mais novo que eu. Foram dois meses de muito romance e carinho. O combinado para os jogos é que eu iria na quarta-feira à noite e ele me encontraria na sexta, pois tinha uma viagem a trabalho. Quando ele chegou na sexta, já era noite e eu estava na festa da nossa faculdade. Ao me encontrar ele estava completamente alterado e nervoso. Me puxou para um canto e me disse coisas como “To sabendo que você deu para vários machos”, “Você com essas maquiagem tá parecendo uma vadia de rua”, “Você acha que eu sou idiota de vir até aqui e te encontrar suja de porra de outro cara?!”.

Eu fiquei assustada, não tinha ficado com ninguém, inclusive tínhamos trocado mensagens o dia todo nos últimos dias e minha maquiagem estava normal. Eu não sabia da onde vinha aquilo. Ele me puxou e voltamos para o alojamento. Na barraca, ele me bateu dizendo que vadia gostava de apanhar e transamos. Quando acordei ele tinha ido embora para São Paulo. Perguntei para uma amiga sua sobre o que tinha acontecido e ela disse que eu tinha provocado ele, se não ele não tinha agido daquele jeito.

Hoje, aos 26 anos, perdi a conta de quantas vezes transei contra minha vontade. Eu achava natural esse jogo de dizer não, o cara forçar e eu ceder. O mais triste é que eu só percebi que tinha sido estuprada, principalmente — no último caso, esse ano — 4 anos depois do ocorrido, ao conversar com um amigo.

A cultura do estupro é tão presente e comum quanto arroz com feijão e escovar os dentes. E como todo hábito cultural intrínseco que demorará anos para ir embora. Todos esses caras eram homens de classe média alta, estudantes das melhores universidades do país e hoje atuantes em posições de destaque no mundo profissional.

Originally published at www.siteladom.com.br on May 30, 2016.

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