Precisamos de finais felizes?

Giovanna Lukesic Reis
Lado M
4 min readDec 4, 2016

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A Livraria dos Finais Felizes não é um grande livro. A sinopse é encantadora (e a capa, fofíssima), mas o desenrolar da história, feito em 334 páginas, decepciona um pouco.

Sara é uma garota sueca que nunca saiu de seu mundinho. Beirando os trinta anos, é introvertida e quase não tem histórias para contar além daquelas que leu em páginas impressas. Ela encontra em Amy, uma senhora norte-americana, uma boa companhia para trocar livros e conversar sobre eles.

“Com os livros, ela podia ser quem quisesse, estar onde quisesse. Podia ser durona, bonita, charmosa, dizer a frase perfeita no momento perfeito e… viver coisas. Coisas reais. Que aconteciam com pessoas reais.”

Ao longo da correspondência, as duas falam não só sobre as histórias em papel, mas sobre a vida ─ e é assim que a jovem é apresentada aos peculiares moradores de Broken Wheel, uma cidadezinha no estado de Iowa.

Da amizade inesperada surge uma proposta igualmente surpreendente: Amy convida Sara para passar um tempo com ela em sua casa. Depois de ser demitida de seu emprego em uma livraria, ela vê no convite da amiga uma oportunidade de aproveitar suas férias e compartilhar pessoalmente sua paixão pelos livros com outra pessoa. Ao atravessar o oceano sozinha, contra a vontade de seus pais, outra surpresa: Amy morreu.

Sem sua única conhecida na cidade, Sara fica perdida e, mais uma vez, foge para seus livros. “A Sara que gosta de ler” é como fica conhecida, pois anda sempre com um livro e está sempre falando deles. Depois do choque inicial, a sueca percebe que, apesar de ter acabado de ver os habitantes de Broken Wheel com os próprios olhos, eles já eram seus conhecidos há algum tempo. Por conta das cartas de Amy, a jovem sabia pelo menos algo de cada um.

Motivada pelo seu carinho por Amy e pelo que as uniu, a jovem decide abrir uma livraria em Broken Wheel. Determinada a mostrar o valor dos livros para os habitantes da cidadezinha, Sara vai percebendo, no decorrer da história, que as companhias humanas são tão (ou mais) importantes do que aquelas feitas de tinta e celulose.

“Querida Sara,

Você me perguntou: livros ou pessoas? Devo dizer que é uma escolha difícil. (…) por mais que olhe para a pergunta por todos os lados, tenho que optar pelas pessoas em longo prazo. Espero que não perca toda a confiança em mim agora que admiti isso.”

Caricatos, os personagens de A Livraria dos Finais Felizes são bem estereotipados, como é o caso da boca suja Grace, dona da lanchonete da cidade; a durona Caroline, à frente da igreja da cidade; Andy e Carl, o simpático casal gay; George, o homem triste e bondoso; Jen, a mãe de família e dona de seu negócio; e Tom, o bonito sobrinho de Amy. Todos desempenham papel fundamental na transição de Sara-com-baixa autoestima-e-enfiada-em-livros para Sara-confiante-e-parte-da-cidade, o que vai acontecendo pouco a pouco no livro.

As personagens femininas, apesar de estereotipadas em suas personalidades, nos trazem pequenas narrativas que não deixam de ter o seu valor. Caroline, por exemplo, julgada por ter 40 anos e nunca ter se casado, prova que devemos viver a nossa vida com quem nos faz bem, independente dos dedos acusadores. Grace, sempre reforçando o traço matriarcal de sua família, nos lembra que a história do mundo é repleta de mulheres fortes. Claire, batalhadora, nos confirma que aceitar ajuda é tão importante quanto oferecer. E, claro, a própria Sara, que vai de coadjuvante à protagonista de sua própria história e, sem abandonar seu amor pelos livros, conquista seu lugar entre as pessoas da cidade.

A Livraria dos Finais Felizes é um livro ingênuo, do qual eu teria gostado muito mais se tivesse lido aos 13 anos. Porém, para compensar, ele é cheio de referências literárias, indo da personagem britânica Bridget Jones ao escritor sueco Stieg Larsson. Além disso, ele permite refletir sobre questões da vida adulta, como a relação consigo mesmo e com outras pessoas. Talvez nem todo mundo use os livros como escudo, como faz a protagonista, mas com certeza nos valemos de algo para barrar pessoas que tentam se aproximar. E, por mais bobo que seja, a história de Sara nos faz refletir quantos bons amigos perdemos por estarmos acomodados o suficiente para não tentar nada novo, seja viajar para o outro lado do mundo sozinha, abrir uma livraria ou aproveitar a chance de se (re)descobrir.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 4, 2016.

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