Livre para voar: a jornada de um pai e a luta pela igualdade

Cris Chaim
Lado M
4 min readMay 2, 2019

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É comum as mulheres serem referidas na mídia e nas nossas conversas informais como filha de alguém, esposa do fulano. Parece que não temos identidade própria e sempre dependemos de um homem para existirmos. E, no Paquistão, isso é ainda mais comum, com mulheres que nem sabem direito osnomes, apenas o “título” que são chamadas.

No caso do livro Livre para voar: a jornada de um pai e a luta pela igualdade o inverso acontece: o autor tem nome e sobrenome, mas escreveu o livro justamente por ser pai de uma menina e da fama que vem daí. Nele, Ziauddin Yousafzai conta a trajetória de sua vida como pai da ganhadora mais jovem do Prêmio Nobel, Malala.

Ziauddin, antes de Malala

O segundo filho de uma família de sete irmãos, sendo um irmão mais velho e cinco irmãs mais novas, Zia, como é chamado pelos próximos, nasceu e cresceu num povoado no norte Paquistão em 1969. Logo cedo apresentou sinais de gagueira e sua mãe tentou algumas curas com os anciãos locais, porém foi a persistência do menino de não desistir de falar fluentemente e escolher as palavras mais fáceis de serem pronunciadas que o transformou em orador premiado e ativista político eloquente.

Criado em uma família bastante tradicional e religiosa, em que seu pai era professor de teologia e iman (sacerdote) da mesquita do povoado, Zia percebeu logo cedo os privilégios que tinha por ser homem e as liberdades das irmãs sendo podadas conforme cresciam.

Ele relata o caso de uma prima que foi o divisor de águas em sua vida. A menina, aos catorze anos, foi dada em casamento a uma família com posição social melhor, porém o marido era violento. Ela conseguiu fugir para a casa do pai e depois para de um irmão, mas o processo de divórcio (uma vergonha para ambas as famílias envolvidas) demorou anos, custou muito caro e a fez procurar milagreiros charlatões que prometiam acabar com suas angústias. Ao acompanhar de perto, o autor prometeu que se tivesse uma filha faria de tudo para que não passasse por aquilo.

Ziauddin e Toor Pekai recém casados

Formou-se em língua inglesa pela Universidade de Jehanzeb em sua terra natal, casou-se por amor (e não arranjos, como ainda é comum no Paquistão) e logo abriu uma escola em que meninos e meninas eram aceitos (outra coisa incomum por lá).

Ziauddin, pai de Malala no Paquistão

A grande preocupação de Ziauddin era que sua filha Malala tivesse os mesmos direitos e oportunidades que os dois filhos homens, Kushal e Atal. Quando a primogênita nasceu, o casal estava enfrentando dificuldades econômicas e seu pai se recusou a pagar a woma, comemoração para a chegada de uma nova criança, pois Malala era menina.

Zia, Malala e Kushal

Os primeiros passos foram aliviar o purdah, prática islâmica em que a mulheres se cobre diante de homens que não sejam da família, e deixar que a esposa e a filha comessem na mesa com ele e os filhos. Ele também incentivou Malala a ir para escola, mesmo quando o Talibã invadiu a região em que moravam.

Ziauddin, pai de Malala no Ocidente

A vida de Zia e toda a família virou de cabeça para baixo quando Malala sofreu o atentado do Talibã e foi transferida para a Inglaterra para se tratar. O choque foi grande: o clima, a estrutura das ruas, as vestimentas, alimentação e a tarefa de educar dois adolescentes em uma cultura completamente diferente, além da rotina hospitalar para a recuperação da filha e sua reabilitação.

Passado o susto, a fase de recuperação e adaptação, hoje Zia mora em Birmingham com sua esposa Toor Pekai, os dois filhos Kushal e Atal, e viaja o mundo em nome da Fundação Malala, pela educação das meninas do mundo todo.

A família completa

Por mais Ziauddins

A fruta nunca cai longe da árvore. E Malala é a prova disso. Na verdade, todas nós somos resultado do nosso processo educacional, da nossa primeira infância e da influência que tivemos. E, para termos mais meninas empoderadas e preparadas para lidar com a realidade e suas adversidades precisamos de mais pais como Zia e Toor Pekai.

Livre para voar: a jornada de um pai e a luta pela igualdade é sobre como a resiliência e estar aberto a novos ideais não depende de grandes ferramentas ou aparatos, e sim de termos as pessoas certas nos amando e apoiando.

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Cris Chaim
Lado M
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Empoderamento feminino, aceitação corporal, drinks e livros