Foto por Fred Moon no Unsplash

Mães em isolamento e o acúmulo de tarefas

Carolina Carettin
Lado M
Published in
4 min readMay 15, 2020

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Mulheres no mercado de trabalho, cuidando dos filhos e da casa e ainda são a maioria dos estudantes em universidades: as mulheres estão sobrecarregadas. Adicione a isso uma pandemia que faz com que as pessoas — pelo menos espera-se que a maioria — fiquem em casa o dia todo. Trabalhem, estudem e façam atividades em casa. Como ficam as mulheres e, principalmente, as mães nesse cenário?

Conversamos com mães que estão com seus filhos em casa, respeitando o isolamento social, e trabalhando ou de casa ou fora todos os dias por prestarem serviços essenciais.

Quando trabalhar de casa não é uma opção

A Renata Araújo é terapeuta ocupacional e funcionária da Prefeitura de Rio Claro, no interior de São Paulo. Ela conta que, por ser da área da saúde, está trabalhando todos os dias, mas fazendo serviços administrativos. “Não estamos atendendo ao público, mas a qualquer momento podemos voltar a atender os pacientes ou, pior ainda, sermos convocados para linha de frente”, diz.

Como muitas brasileiras, a Renata sai para trabalhar preocupada com a contaminação e, ao voltar, precisa tomar vários cuidados para não levar o vírus para dentro de casa. “Tiro o sapato, deixo numa caixinha no alto onde a Lis (filha da Renata) não pega, entro pela área de serviço, coloco a roupa e a máscara num latão fechado”, conta, “e a Lis entende que não pode nem entrar ali”.

A Ilma Oliveira, diarista, também está trabalhando fora de casa e relata que ela e o marido, que é funcionário de uma empresa, estão tomando todos os cuidados necessários. “A gente fica com medo, né? No serviço todo mundo está se cuidando, eu vou de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, afirma. As compras também são feitas com menos frequência, uma vez ao mês, para evitar idas desnecessárias ao supermercado. “É difícil, porque se você perder o trabalho e ficar parado é mais complicado. Você precisa trabalhar pra sobreviver”.

Essa apreensão de todos os que têm que sair de casa para trabalhar acaba gerando uma situação de estresse intenso. “Além do sentimento de ansiedade tão frequente nessa situação, essa vivência faz surgir um sentimento muito grande de impotência, o que gera frustração e nos lembra constantemente sobre como não temos controle sobre a vida”, explica a psicóloga Roberta Espote.

Além de abalar a saúde mental, o estresse pode gerar sintomas físicos se a pessoa não conseguir lidar com a pressão externa. “Imagino que quem está vivenciando isso, se torna muito mais criterioso com relação aos cuidados que evitam a transmissão do vírus, até o ponto de se tornarem obsessivos com isso, mas quem poderá julgá-los, não é mesmo?”, pontua.

Todos juntos em casa

Para as mães que estão fazendo home office, a apreensão pode ser menor em relação ao contágio, mas a acumulação de tarefas é igual. A cientista social Carol Miranda e o marido estão trabalhando em casa e cuidando da filha de um ano e três meses. “A gente divide as tarefas de casa e os cuidados com a Catarina, mas não temos uma divisão clara, todo mundo faz tudo, de acordo com o tempo e a energia de cada um naquele dia”, afirma. “À noite e aos finais de semana acabamos trabalhando também, porque ela demanda de nós dois. Trabalhar picadinho assim e com todas as preocupações é muito desafiador. Estamos exaustos, só conseguimos descansar quando já é hora de dormir mesmo”.

A psicóloga Roberta Espote atenta para a importância da divisão de tarefas, como acontece na casa da Carol, para que as mulheres não sejam mais sobrecarregadas ainda nesse momento. “A ideia de que os pais sustentam a família enquanto a mãe cuida da casa e dos filhos, além de ser ultrapassada, não é mais condizente com a realidade brasileira em que temos um número elevado de famílias que são chefiadas por mulheres”, afirma. Como espera-se socialmente muito da mulher — que ela queira filhos, que se responsabilize pelos cuidados — , ela pode, inconscientemente, se apropriar mais de certas funções domésticas. “O ideal seria que todos os casais pudessem conversar sobre esse assunto e definir quem tem mais facilidade com qual atividade para que as demandas pudessem ser divididas entre eles”, diz.

Maternidade real

A maternidade pode ser cheia de cobranças e de culpa, uma vez que se espera muito das mães desde à gravidez. “Quando crescem um pouco, por exemplo, espera-se que crianças não usem aparelhos eletrônicos como celulares, computadores, televisões e tablets. Porém, no cenário atual, às vezes é a única forma da mãe — ou do pai — conseguir trabalhar em casa. “De manhã a Lis fica com o pai. Ela brinca, assiste TV, o que é inevitável, senão ele não trabalha”, afirma Renata. “Ela não fixa tanto na TV, está sempre brincando enquanto a TV está ligada”. A Carol também relata que “até televisão está rolando — coisa que eu achei que só fosse rolar quando ela tivesse uns três anos”.

Antes da pandemia já se falava muito sobre maternidade real e a importância de mostrar que nenhuma mãe é perfeita e que todas passam por momentos de dúvidas. Agora há, mais do que nunca, a necessidade de diálogo entre os familiares, incluindo a criança. “Falar sobre suas preocupações ajuda a diminuir ansiedade”, afirma Roberta. “As crianças buscam encontrar no adulto o apoio para o que está vivenciando, além de observarem a forma com que ele lida com a situação. Por isso é tão importante o espaço de diálogo, até para que o adulto esclareça para a criança que ele também tem suas dificuldades”.

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Carolina Carettin
Lado M
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Jornalista, caipira de Araras, interior de São Paulo. É bailarina desde criança, ama ler e é fã da Rita Lee.