Mansplaining e Manterrupting: o machismo mora nas sutilezas

Nana Soares
Lado M
3 min readMar 7, 2017

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Sabem como é que a gente, em geral, se identifica com o feminismo? Quando percebemos que uma coisa que nos incomoda não acontece só com a gente, mas com outras mulheres também. Quando fica claro que as dificuldades do nosso dia-a-dia têm origem numa opressão estrutural de gênero.

Depois que a gente se dá conta, cada uma reage de um jeito, mas muitas de nós temos uma reação padrão (e muito positiva!): não se calar diante do machismo. Foi o que eu fiz e é o que grande parte das mulheres que eu conheço fazem, adaptando-se sempre à sua realidade. Porque né, não dá pra dizer que uma jornalista que trabalha com autonomia, uma empreendedora, uma adolescente morando com os pais e uma mulher em uma penitenciária têm as mesmas liberdades para se levantar — em segurança — contra um sistema. Mas acho que, quando vemos que o problema é social, tendemos a nos manifestar mais sobre ele. Com sorte, encontramos caras legais no caminho que entendem isso e estão dispostos a mudar suas posturas. Se não, a gente vai desbravando o território mesmo.

Mas não é como se isso fosse fácil. Como a gente acabou de lembrar, é um sistema todo contra a gente, e ele só foi tão bem sucedido até agora porque tem MUITOS mecanismos, porque está presente meio que em qualquer lugar. E por mais empoderada que a gente esteja vai sempre se deparar com eles no meio do caminho.

Vou falar especificamente de dois mecanismos aqui: o mansplaining e o manterrupting (eu sei, a gente precisa urgentemente dessas palavras em português). Eles são, respectivamente, aquela mania dos homens de te explicar uma coisa como se você fosse criança e o irritante hábito de nos interromperem o tempo todo. Quando eu li isso pela primeira vez um novo mundo se abriu, porque olha só, EU NÃO ESTAVA LOUCA, NÃO ERA SÓ COMIGO!! Esse incômodo que eu sinto TEM fundamento! E ele é uma opressão DE GÊNERO! (Sério, foi libertador).

Eles parecem inofensivos, são detalhes, mas, se a gente para pra pensar, percebe o quão violentos eles são. O ato de interromper uma mulher para falar por cima é literalmente tirar o nosso poder de fala. Nos invisibilizar, negar a posição de sujeito de nossas próprias histórias. É uma escala micro da história da humanidade, em que as mulheres estavam ali mas sem poder algum.

Já o mansplaining, uma vez que você se atenta para a existência dele, é digno de riso. Sério. Por algum motivo os homens se sentem MUITO confortáveis de explicar as coisas para as mulheres como se elas não soubessem do assunto, mesmo que elas sejam especialistas nele. É uma demonstração de superioridade que vem com uma assustadora naturalidade:

Se essas ações são intencionais? Duvido muito. São hábitos, foram construídos, reforçados e naturalizados ao longo de tanto tempo que a gente nem enxerga neles uma intenção cruel — e é por isso que eles são tão poderosos e eficazes.

Sinto que na maioria das vezes os homens não percebem que fazem isso, mas nós, que somos o alvo, percebemos e guardamos aquele incômodo com a gente. E assim vamos minando ao longo do tempo a vontade de falar.

Mas ó, isso tem que acabar! Se o machismo se importa tanto em nos calar é porque nossa voz é MUITO poderosa. Então lembremos, amigas: #NãoSouObrigada, hoje nem em nenhum dia do ano, a me calar diante do machismo.

Originally published at www.siteladom.com.br on March 7, 2017.

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Nana Soares
Lado M
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Ela/dela-She/her. Fazendo o possível para falar de coisa séria sem perder o bom humor. Mais sobre mim em: https://soaresnana.com/