Nós sangramos mensalmente. Temos a tão famosa e temida TPM, sentimos cólicas, a qualidade da pele muda, e esse processo todo envolve um descamamento que dá origem a um sangue muitas vezes dito como sujo, velho. Muitos acreditam que a menstruação atrapalha a vida cotidiana, e que seu fim marca o declínio do corpo feminino com a chegada da menopausa, mas talvez não seja bem assim.
É pertinente discutir sobre a origem da simbologia da menstruação. Em tempos remotos, nas sociedades matriarcais, a menarca era vista como símbolo de comunhão com a Grande Deusa, seus ciclos e com a Lua. O sangue menstrual, em algumas comunidades, era muitas vezes oferecido à Deusa ou a mulher podia ir para cabanas especiais designadas como “Casa da Lua”, para repousar de suas atividades cotidianas e enriquecer sua comunhão espiritual com a Grande Mãe.
Com o advento das sociedades patriarcais, surgiu então a necessidade de diminuir todo e qualquer poder ou influência feminina que pudesse existir na sociedade. Ela deveria ser subjugada, bem como seus ciclos, personalidade e corpo. A menarca não passou despercebida. De sangue utilizado em cultos, ele passou a ser considerado impuro.
Nesta perspectiva até mesmo existe um mito hebreu — um tanto quanto polêmico- acerca do assunto. De acordo com histórias antigas, no Jardim do Éden, a Serpente avistou Adão e Eva copulando. Por conta disso, passou a desejar a mulher criada a partir da costela. Para tanto, ela decidiu seduzir Eva contando-lhe acerca do fruto proibido e de todo o conhecimento contido ali. Ela conquistou o alvo de seu desejo e Eva caiu em pecado, causando a expulsão do Eden; a mortalidade de seus descendentes; a dor do parto e o sangue menstrual (fruto da cópula com o ser peçonhento).
A partir daí as mulheres passaram a ser consideradas impuras durante a menarca, sendo impedidas de ter relações sexuais e mantidas longe do convívio social, uma vez que este sangue seria fruto da traição de Eva com a cobra. Os hebreus, assim como outros povos, tentavam a todo o custo evitar o contato com a mulher durante este período, afastando-a de lugares santos e proibindo a prática de relações sexuais durante estes dias específicos, não em sinal de introspecção e meditação para a mulher, mas sim para proteger o homem dos “malefícios” daquela impureza vermelha.
Já num salto histórico, em meados do século 19, acreditava-se que a menarca era resultado de um excesso de nutrientes no corpo da mulher. Dessa forma, tal período tinha a função de limpá-la mental e fisicamente, gerando, também, a irritabilidade — característica da tão famosa TPM.
Mas será que a menstruação é tão repulsiva assim?
Existe toda uma ideia higienista de que a menstruação deveria e pode ser evitada atualmente. Há apenas alguns anos, estava em evidência uma onda midiática acerca da possibilidade de não menstruar. Afinal de contas, com o advento de tantos métodos contraceptivos e tecnologias capazes de interromper a menstruação, não haveria motivos que justificassem sentir cólicas, sangrar, enfrentar períodos de maior sensibilidade/irritabilidade, pele oleosa ou seios doloridos, entre outros sintomas.
Se antigamente as mulheres eram obrigadas a ser excluídas de seu convívio social por conta do líquido vermelho que escorria por suas pernas a cada mês, ainda não estamos livres do preconceito mesmo com o advento de explicações científicas, históricas ou sociológicas acerca da menarca. Mesmo que não precisemos nos esconder em cavernas durante aproximadamente 5 dias, ainda somos alvo de piadinhas estereotipadas acerca da TPM ou de que a mulher é o único ser que sangra por dias e não morre.
Mesmo assim, se há menos de uma década estava sendo fomentada a ideia de influenciar a mulher a deixar de menstruar, hoje estamos trazendo à tona pensamentos cujo cerne envolve o de que consumir hormônios sintéticos faz mal para o corpo feminino. Que devemos tomar consciência de nossos próprios corpos, da quantidade de sangue que expelimos mensalmente (vide com o entusiasmo crescente dos coletores menstruais) e como somos ou não afetadas por alterações fisiológicas que podem afetar nosso corpo ou humor.
Querendo ou não, ainda vivemos numa sociedade cujo pensamento vigente é de que o descontentamento feminino é causado por tensões pré-menstruais ou que este ciclo é, na verdade, algo sujo, do qual deve-se manter distância. Enganam-se. A menarca marca apenas e tão somente uma faceta dos ciclos do corpo feminino, uma de suas características principais que fazem parte de seu corpo e sistema reprodutivo. Ela mostra a comunhão do feminino com os ciclos lunares, a purificação de um corpo que se preparou para a fecundação por um mês sem que tivesse cumprido com essa função. E assim como o líquido branco que sai do falo é venerado por aqui, assim deveria ser com o líquido vermelho que é liberado entre as pernas femininas.
Esse sangue não é sujo, esse sangue não é velho. Esse sangue faz parte dos ciclos do corpo feminino e, definitivamente, não há nenhum mal nisso.
Originally published at www.siteladom.com.br on August 21, 2015.