Minha História é o respiro que precisamos em tempos difíceis
O novo documentário sobre Michelle Obama pinta um futuro um pouco mais esperançoso
O filme tem os elementos necessários para compor um documentário sobre a turnê de uma rockstar: estádios lotados, fãs emocionados e nomes gigantes do entretenimento envolvidos nas produção — como Oprah, Stephen Colbert e Sarah Jessica Parker. Mas com uma pequena diferença: a personagem principal não vem acompanhada de banda e no máximo arrisca alguns passinhos para acompanhar um verso do Drake.
Em Minha História (Becoming), o novo documentário da produtora Higher Ground em parceria com a Netflix, acompanhamos a turnê de lançamento da autobiografia Minha História e vemos sua autora — um nome provavelmente familiar — a escritora e advogada Michelle Obama, em intimidade como nunca antes.
Bastam as primeiras imagens em tela para quebrar o gelo e desmanchar qualquer inacessibilidade da aura de pessoa mundialmente famosa de Michelle. Seja porque já logo nos minutos iniciais a vemos fazer uma das coisas mais mundanas possíveis — colocar música animada para tocar no trajeto até o trabalho — ou porque, ao longo do documentário, ela se aprofunda, de maneira muito honesta em sentimentos facilmente identificáveis — especialmente se você for uma mulher.
O longa, apesar de seguir o fio condutor do livro, não é uma adaptação e sim uma obra complementar: ele dá as informações necessárias para que o espectador entenda como ela chegou onde chegou. Para isso, resgata-se um pouco da infância dela no sul de Chicago e a relação com a família, a graduação em Pricenton e o trabalho nas firmas de advocacia, seu relacionamento com Barack Obama e, atualmente, a vida pós Casa Branca.
Um dos temas que aparece com mais frequência ao longo do documentário é a relação bastante próxima que Michelle cultiva com a juventude e a posição que ela assume, como uma espécie de mentora para as pessoas mais novas.
Em diversos momentos, vemos as conversas que ela desenvolve com os estudantes — em salas de aula e livrarias — e que surpreendem, ao se descolarem do senso comum sobre a geração atual, e adentrarem discussões profundas, que vão desde as desvantagens que a população negra encontra antes mesmo de tentar ingressar na universidade — espaço que, ela mesma menciona, ser ainda majoritariamente branco — até a famosa síndrome do impostor, e a sensação de que sentirmos que muitas vezes não merecemos ocupar os espaços em que estamos.
Há um momento em especial, em que ela pergunta à uma mesa de alunos da comunidade indígena do Gila River, no Arizona, o que os desmotiva, e um dos alunos diz que “ir à universidade sendo parte de uma minoria e ter de conviver com eleitores do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump”. Ao qual Michelle responde:
“Eu não imagino como isso deve ser difícil para vocês, mas quero que vocês coloquem tudo isso em perspectiva e não deixem esse momento marcar exclusivamente o que vai ser daqui para frente. Às vezes tudo que nós [ela e seu marido, Barack Obama] podíamos fazer era seguir trabalhando e deixar o nosso trabalho falar por nós mesmos.”
Ela ainda comenta o que é estar na posição da presidência de um país e como esse momento pode ficar marcado no futuro:
“Quando se é presidente, as palavras importam. Você pode iniciar guerras e afundar economias. É poder demais para ser tão negligente.”
Outro ponto alto do documentário é que a proposta de mostrar os bastidores da turnê se estende a todos os envolvidos naquilo de alguma forma. Assim, conhecemos os personagens responsáveis por fazer o show acontecer: dentre eles estão Melissa Winter, sua chefe de equipe e Allen Taylor, do serviço secreto. É com eles que acontecem os momentos mais humanos de Michelle e é interessante ver como a relação entre eles através da convivência diária acaba extrapolando o profissional, em um misto de amizade e respeito mútuo.
O momento com Meredith Koop, sua estilista, é especialmente poderoso, já que nele fala-se sobre sua imagem e como diversos veículos ao longo do tempo se utilizaram de estereótipos — principalmente o da mulher negra raivosa — para criar ideias pré-concebidas sobre ela. E como nesses momentos, a escolha de suas roupas teve um papel importante: se sua imagem iria ser objeto de discussão, que ao menos servisse como veículo de ideias em relação à diversidade e uma plataforma para juventude — como já assinalou a editora chefe da Vogue norte-americana, Anna Wintour:
“Em todas as decisões que ela fez sobre moda, ela apoiou jovens estilistas e designers do mundo todo”
O filme, de maneira geral, deixa a vontade de buscar no livro mais detalhes sobre a vida dessa mulher com ideias tão poderosas. Mas talvez, as sensações que realmente ficam ao final são duas: o lembrete de com o que uma boa liderança se parece e a inevitável inspiração ao ver o empenho que Michelle coloca nas gerações seguintes — e que pode fazer até o mais pessimista acreditar que talvez o dia de amanhã possa ser sim um pouco melhor.
Assista ao trailer
O documentário está disponível na Netflix