Minha Mãe É Uma Peça 2: Ainda podemos rir com Dona Hermínia?

Julia Biagini
Lado M
Published in
3 min readDec 22, 2016

É inegável: Dona Hermínia é um fenômeno. Em 2013, mais de 4,3 milhões de pessoas foram aos cinemas para ver Minha Mãe É Uma Peça, e desde então as expectativas para o segundo filme, que estreia hoje, se tornaram imensas. Porém, apesar de termos nos divertido com o novo capítulo da vida de Dona Hermínia em Minha Mãe É Uma Peça 2, saímos frustradas e com uma pergunta na cabeça: será que realmente podemos continuar rindo com Dona Hermínia?

Em Minha Mãe É Uma Peça 2, Paulo Gustavo vem como roteirista e protagonista no papel de Dona Hermínia, uma personagem que compila diversos estereótipos relacionados às mães: a mãe exagerada, a mãe escandalosa, a mãe ultra protetora. É verdade que muitas vezes as mães são assim, e muitas delas inclusive se identificam com as preocupações, os dramas e as reações de Dona Hermínia, mas será que enfatizar apenas esse lado do que é ser mãe não é negativo? E será que colocar esse tipo de personalidade como sendo “algo de mãe” não é tão negativo quanto, uma vez que mães que não são assim podem se sentir como se não fossem verdadeiramente mães?

Desde sempre, Dona Hermínia (que já passou pelo teatro e programas de TV) é uma mãe cautelosa que estima, a todo custo, manter seus filhos “debaixo das asas”. No primeiro filme da franquia, as gargalhadas foram muitas com os problemas envolvendo a sua família e a sua caricatura de mãe e dona de casa nervosa. Agora que ela trabalha e é independente — em Minha Mãe É Uma Peça 2, Dona Hermínia tem um programa de televisão, o “Hermínia Show” -, esperávamos que fôssemos conhecer um outro lado de Dona Hermínia: como é ser mãe e viver não mais só para os filhos? Como é reencontrar com a independência depois de anos dedicada à vida doméstica? Mas, infelizmente, não é o que acontece: o que vemos é Dona Hermínia continuar como a mesma Dona Hermínia, incluindo com as mesmas piadas discriminatórias em relação aos seus filhos, Marcelina (Mariana Xavier) e Juliano (Rodrigo Pandolfo).

Em Minha Mãe É Uma Peça 2, o sobrepeso de Marcelina continua a ser motivo de piada para Dona Hermínia: por exemplo, ao conseguir alcançar o seu sonho de ser atriz e revelar para a mãe que irá para São Paulo para atuar, Dona Hermínia rebate: “Atriz com o seu peso?”. O mesmo vale para Juliano: se, no primeiro filme, Juliano era gay, no segundo filme o filho de Dona Hermínia se vê em dúvida quanto à própria sexualidade e o assunto é tratado como uma piada no filme — quando a gente bem sabe que, na vida real, dúvidas sobre a própria sexualidade não costumam ser engraçadas, mas sim cheias de conflitos.

As novidades do filme ficam por conta de mudanças pontuais na vida de Dona Hermínia: seu novo trabalho, as investidas de Carlos Alberto (seu ex-marido), a visita do neto e da irmã diferentona. Porém, o que queríamos mesmo era ver Dona Hermínia evoluindo como personagem, como pessoa.

Muita gente vai dizer que a gente tá querendo cagar regra em cima do humor, mas dá pra fazer humor sem reforçar discriminações e estereótipos. O ponto todo é ver até onde os humoristas se dispõem a se esforçar na direção desse novo humor e até que ponto o público quer se esforçar também para contemplá-lo e questionar seus próprios preconceitos. Assim, esperamos sinceramente que, caso haja mais um Minha Mãe É Uma Peça, Dona Hermínia se torne a mulher absurdamente admirável que ela tem potencial para ser.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 22, 2016.

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Julia Biagini
Lado M
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a relações públicas que só consegue acalmar a mente quando escreve