Minhas Duas Meninas: como formar uma família alugando um útero

Giovanna Lukesic Reis
Lado M

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Quase todas as mulheres, em algum momento da vida, refletem sobre a possibilidade de ter filhos. Muitas não optam pela maternidade, e a sociedade precisa parar de condená-las por essa decisão. Por outro lado, muitas vezes a resposta para a pergunta “Você quer ter filhos?’ é Sim, o que não garante que as coisas a partir daí serão fáceis.

“Desde que comecei essas tentativas ultratecnológicas, foram muitas as alterações de humor, causadas tanto pela ansiedade quanto pelos hormônios injetados, engolidos em forma de pílulas ou colados na pele, e outras violências do tipo.”

O livro Minhas Duas Meninas, da jornalista Teté Ribeiro, é um relato de como foi ter suas duas filhas, Rita e Cecília, por meio de uma barriga de aluguel na Índia, depois de 11 anos tentando engravidar das mais diversas formas. Teté e Sérgio, seu marido, estavam na fila de adoção no Brasil quando receberam a notícia positiva num e-mail simples: “O resultado do exame de gravidez da Vanita [a barriga de aluguel] foi positivo. Vocês estão esperando um bebê.

O livro, que possui 217 páginas, é bem humorado, intercalando pedaços do processo de ter filhas crescendo no útero de outra pessoa com curiosidades sobre a Índia, um país de mais de 1 bilhão de habitantes.

A clínica escolhida pelo casal, o Hospital & Research Institute, cuja responsável é a Dra. Nayana, é a mais famosa da Índia nesse ramo. Os clientes são tanto indianos (residentes ou não no país) como estrangeiros vindos de todo o mundo, mas principalmente do Japão, Austrália, Canadá e Estados Unidos.

O custo da operação é mais em conta do que em outros países que oferecem o serviço, e, no livro, Ribeiro explica um pouco das diferenças entre as legislações estrangeiras e a brasileira para a barriga de aluguel. Aqui a prática é permitida, mas só se for feita por uma parente de primeiro grau, isto é, mães, irmãs, primas ou tias do casal. Para o caso de a pessoa não ter laços sanguíneos com os pais da criança, é proibido qualquer tipo de pagamento em dinheiro — o que dificulta muito a situação, pois ser barriga de aluguel não é algo simples ou rápido.

Na Índia, a prática é regularizada desde 2002 e movimenta mais de 2 bilhões por ano. Pela legislação de lá, os bebês hóspedes (termo usado para se referir às crianças que nascem por meio do útero de substituição) já nascem com a nacionalidade dos pais biológicos; aqui, os bebês primeiro são registrados como filhos da barriga de aluguel para depois ganharem o nome dos pais na certidão. Ou seja, na Índia, as mulheres que abrigam bebês de outra pessoa por volta 9 meses não têm nenhum direito sobre eles.

A amamentação com o leite materno, por exemplo, só é feita se a mãe biológica e de aluguel assim desejarem — como foi o caso de Teté, que escolheu alimentar suas filhas dessa forma enquanto era possível, mesmo tendo ouvido de médicos que não era recomendado caso o leite não fosse refrigerado logo após ter sido coletado. Teté foi categórica: “O que decido descartar são esses palpites à distância. E, quando chega a encomenda, minhas filhas tomam mamadeiras de leite materno na temperatura ambiente, seja ela qual for. […]”.

Desde o começo, pelo título e pelos primeiros capítulos do livro, sabemos que a gravidez por meio de uma barriga aluguel em outro continente deu certo. Mais do que a informação, o que importa, então, é a maneira como ela é transmitida. Minhas duas garotas é uma história interessante, contada de um jeito leve e instigante. Curiosos, continuamos lendo — seja para saber mais fatos curiosos sobre a Índia, seja para saber mais sobre as bebês, que vão crescendo a cada dia, assim como Teté no papel de mãe.

O que falta no livro, porém, é o outro lado dessa história bonita — principalmente por Ribeiro ser jornalista. As mulheres que são barrigas de aluguel, como mostra a autora, são bem cuidadas durante toda a gestação e mesmo após esse período. Mas quanto elas ganham por cada vez que alugam seus úteros? Esse valor é quantas vezes maior do que a média dos salários das indianas? Por quanto tempo conseguem viver com esse dinheiro? Vanita, a barriga de aluguel de Teté, por exemplo, não pretendia emprestar seu útero novamente. O dinheiro recebido já tinha sido posto em uso, e ela pretendia ganhar mais de outras formas que não abrigando o filho de outra pessoa.

Mulher nenhuma decide alugar seu útero por prazer, então essas são perguntas que precisam ser feitas, e o livro falha nesse ponto. É incrível que casais com problemas para seguir com uma gravidez até o fim possam ter filhos biológicos, mas é preciso refletir mais sobre as mulheres que gestam essas crianças, principalmente num país machista como a Índia. “Queria uma família, estava a disposta a fazer um esforço e investir nisso um dinheiro que nem tinha, mas não pretendia formar uma quadrilha”.

Apesar disso, o livro é um grande passo para desmistificar o empréstimo de útero: mostra que é possível o processo ser humanizado e cuidadoso, tanto com relação às barrigas de aluguel, como com relação aos bebês hóspedes. Além de uma boa história, o livro nos traz informações sobre a Índia, um país que guarda muitas semelhanças com o nosso.

Originally published at www.siteladom.com.br on August 26, 2016.

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