Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, explora o inconsciente e a subjetividade

Ana Carolina Müller
Lado M
4 min readDec 18, 2017

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Não há outro modo de começar a falar sobre Virginia Woolf a não ser dizendo que suas obras, apesar de fascinantes, não são leituras fáceis. Mrs. Dalloway não poderia ser diferente. Publicado em 1925, o livro exige que qualquer um que abra suas páginas mergulhe por completo na história — sem tempo para respirar, mas com muito para pensar a respeito.

Woolf era britânica e marcou o período da Primeira Guerra Mundial e o entreguerras. Com o estopim da Segunda Guerra Mundial, deixou um bilhete para o marido e se suicidou, dizendo que não aguentaria “passar por outro daqueles tempos terríveis”. Foi destacada como uma das principais figuras do modernismo por seus romances revolucionários, com temas polêmicos e com uma forma de escrita denominada “fluxo de consciência”, da qual é considerada uma das principais criadoras. Era em suas obras que denunciava a opressão feminina, criticava toda forma de hipocrisia e falava abertamente sobre temas presentes em sua vida pessoal, como homossexualidade e saúde mental.

Mrs. Dalloway

Mrs. Dalloway narra um dia na vida de Clarissa Dalloway, uma senhora de exatos 52 anos que percorre as ruas de Londres cuidando dos preparativos de sua festa, mais um dos eventos luxuosos que sempre oferece para a alta sociedade britânica. Em paralelo a sua história, conhecemos Septimus, um veterano da guerra que sofre de transtorno pós-traumático e está vivenciando grande sofrimento. Ao longo do dia, Clarissa encontra vários conhecidos, convidando-os para a festa onde todos os personagens convergem ao final do livro e os mundos de Clarissa e Septimus se misturam.

Woolf consegue destrinchar algo que parece muito simples e transformar numa viagem instigante, percorrendo os pensamentos de todos os envolvidos. Conforme a narrativa avança, entramos e saímos de várias mentes desconhecidas. Qualquer pessoa que cruze o caminho de Clarissa é alvo de uma profunda busca em seu inconsciente. Isso pode causar certo desconforto diversas vezes, já que as mudanças ocorrem rapidamente, sem nenhum aviso prévio ou pontuação adequada para demarcar isso. Passado o estranhamento, a leitura torna-se fluida , quase como se não houvesse outra maneira de contar tal história.

A subjetividade é incômoda

Conhecer a subjetividade de Clarissa também é incômodo. Ela é uma mulher sem grandes preocupações a não ser seu status social e suas festas para celebrar a vida, suas “oferendas pelo simples prazer de oferecer”. Traz uma amargura por estar envelhecendo, sem ter vivenciado plenamente os amores da adolescência e seus impulsos mais profundos, como a atração que sentia pela melhor amiga durante a juventude. Muitas vezes durante a leitura, é difícil lembrar que a personagem é uma senhora casada há anos e com uma filha adolescente; seus pensamentos estão sempre voltados para seu passado. Este incômodo está, talvez, em tentar compreender o motivo de tanta insistência na perfeição de sua festa e na aprovação que recebe das pessoas próximas.

Chega-se quase ao ponto de não-identificação com Clarissa. É difícil encontrar um ponto de aproximação com ela e com esse mundo onde vive. Suas preocupações e reclamações parecem banais, sem grande relevância, especialmente sendo comparadas a todo o tempo com Septimus e seu grave transtorno mental.

Camaradagem feminina

Porém, é assim que, sutilmente, Virginia Woolf menciona a importância da “camaradagem feminina” em plena década de 20. Em Mrs. Dalloway, a autora nos conduz a pensar o quão dolorosa é a vida de sua personagem. Clarissa sempre foi a boa esposa, a boa anfitriã, a mulher que abandonou tudo o que mais desejava para se esconder atrás do sobrenome do marido. O próprio título do livro nos remete a esta ideia. É aquela que clama por um pouco de atenção, mas nunca a recebe, já que é “mimada demais”. Enquanto isso, Septimus, o herói que lutou por seu país, recebe todo tipo de cuidado, a atenção do melhor psiquiatra que pode pagar e a companhia sempre leal da esposa exausta.

Por maiores que sejam as dificuldades existentes na leitura, algo nos mantém fiéis até o final de Mrs. Dalloway — quase como uma tentativa de resgatar Clarissa daquelas situações sufocantes. Pouco antes de seu desfecho, percebemos, então, que sua rotina é como um pedido de ajuda para os outros personagens — um pedido para Clarissa, e não apenas Mrs. Dalloway. Mais do que isso, a entrada nas camadas mais profundas das mentes da sociedade britânica do século XX permitem a Woolf resgatar pensamentos perversos sobre relações patriarcais e matrimoniais e, assim, tecer a sua ácida crítica sobre a sociedade burguesa de sua época.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 18, 2017.

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