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Mulheres autistas e a diferença que o diagnóstico fez em minha vida

Thais Lombardi
Lado M
Published in
5 min readNov 23, 2021

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Não vou dizer que foi fácil descobrir aos 31 anos que eu era autista. Na verdade, foi um choque e uma confirmação que eu passei minha vida inteira mascarando sentimentos para conseguir me encaixar em uma sociedade que não está pronta para conviver com neurodivergentes de qualquer idade.

Foi uma mistura de sentimentos porque eu poderia ter passado por certas situações ou evitado coisas que eu sabia que me faziam mal, ter vivido uma vida mais tranquila, com menos bullying na escola e até mesmo dentro de casa. Mas não foi assim: foram mais de 30 anos sendo chamada de lerda, boba, retardada, esquisita entre outros adjetivos capacitistas que foram proferidos até mesmo por meu pai que sempre tentou mudar o meu jeito.

Além disso, foi uma luta até que eu finalmente descobrisse que havia algo diferente em mim. Meu psiquiatra simplesmente se recusou a passar algum tipo de terapia devido à minha idade e ao fato de “estar totalmente adaptada” às relações sociais.

O sentimento de raiva ainda foi maior ao descobrir que eu não sou a única mulher autista a passar por isso. O autismo em meninas e mulheres têm outras características e até o momento os estudos são voltados para meninos. Segundo artigo do PROGENE: “Quando entrevistavam meninas ou mulheres no espectro autista, nem sempre conseguiam perceber sinais de autismo, mas vislumbraram um fenômeno que chamaram de ‘camuflagem’ ou ‘mascaramento’.(…) Eles também notaram possíveis diferenças entre sexos que ajudam as meninas a escaparem da observação dos médicos: enquanto os meninos com autismo podem ser hiperativos ou parecerem comportar-se mal, as meninas geralmente parecem ansiosas ou deprimidas”.

Muitas mulheres só descobrem que são autistas quando descobrem que seus filhos são ou, como foi meu caso, quando a camuflagem se torna impossível de se manter. Como o caso relatado na Revista Claudia, sobre uma mulher que aos 31 anos (parece ser uma idade chave para a descoberta) não aguentava mais as diferenças e o filho apresentou sintomas. Nessa mesma reportagem, a opressão feminina fica clara até mesmo no meio médico: “As mulheres são condicionadas ainda pequenas a serem mais sociais, complacentes, a se esforçarem para se adaptar. Já os homens normalmente são incentivados a fazer o que querem”.

O comportamento quieto ainda é apreciado como uma virtude feminina, mas, na verdade, meninas e mulheres autistas sofrem em uma sociedade que regulam até mesmo o jeito como elas nasceram. Por isso, ainda no século XXI os estudos sobre mulheres autistas são tão escassos, somando ao preconceito e aos estereótipos que são difundidos pela mídia, muitas não procuram tratamento e continuam mascarando sentimentos.

E os sintomas em mulheres são, geralmente, os opostos que homens apresentam e encarados como “frescura”, sensibilidade feminina ou ligados a hormônios:

  • Hiperempatia;
  • Crises nervosas acompanhadas de choro;
  • Imitação de comportamentos;

Além dos clássicos:

  • Dificuldades em interações sociais e comunicação;
  • Repetição;
  • Hiperfoco;
  • Comportamento diferente das demais crianças.

Como descobri o autismo?

A primeira dica que eu tive foi quando li e fiz a resenha do livro Os números do amor e identifiquei-me com a protagonista em um nível muito maior que o envolvimento que geralmente temos com os personagens. Eu era a Stella, eu ficava nervosa com as mesmas coisas e eu poderia muito bem ter vivido aquela vida.

Entre testes na internet, conhecer outros autistas e finalmente descobrir quem eu realmente era, foram anos. E, apesar do sentimento de revolta de ter vivido uma mentira e da falta de apoio da família -que nega até hoje o diagnóstico-, a sensação de nascer de novo foi incrível.

Eu que sempre lutei para me impor mesmo ainda sem saber o que eu era, senti que finalmente estava livre de cobranças sociais, pois eu sei que elas não foram feitas para mim. Na verdade, nada no mundo foi feito para nós, neurodivergentes, mas descobri que eu posso criar as situações para me sentir melhor, como por exemplo trabalhar em casa e evitar contato social; evitar certas comidas e bebidas estimulantes; pedir que pessoas não encostem em certas partes do corpo; aprendi a criar um ambiente no qual eu consiga funcionar sem surtar e o mais importante, ter uma rotina que tenha o mínimo de chances de dar errado. Pode parecer genérico, mas esses tipos de situações podem desencadear crises na qual eu travo todo o corpo e meu cérebro simplesmente para de funcionar.

E sim, eu aviso a todos que eu sou autista, principalmente se faço algum curso ou preciso desempenhar alguma atividade. Eu falo 3 idiomas e aprendo mais um, mas eu travo em coisas simples, como chorar se eu não encontro algo que deveria estar no local ou se não entendo determinada lição. Meu professor atual não tem muita paciência comigo e eu pretendo trocar, pois ele me causa muita ansiedade, mesmo sabendo do diagnóstico.

Sempre foi difícil, só que agora eu sei o que acontece. Sempre fui aquela aluna que faz questionamentos estranhos, que “quebra o professor”, o elemento surpresa, a bomba pronta para explodir, a criança que pergunta coisas que ninguém pensa, que fica fascinada com padrões, que funciona em outra frequência.

O problema é que descobri tarde demais, mas eu espero que, com esse desabafo, alguém possa se identificar e sair dessa jaula que nos encaixa ou possa ajudar uma menina ou menino que possa apresentar algum comportamento que não se encaixe e esteja passando por dificuldades.

Por fim, desde o momento em que descobri o autismo, nunca mais tive nenhuma crise de pânico ou os meltdowns que costumava ter por não saber me respeitar e acredito que todos merecem sentir esse sentimento de liberdade de finalmente descobrir que não existe nada de errado conosco. Por mais que digam o contrário, ser autista não é um fardo quando bem trabalhado. É muito pior mascarar e viver uma vida depressiva tentando se encaixar.

Deixo aqui dois vídeos, o primeiro é uma esquete de Douglas, um stand-up comedy da Hannah Gadsby e o outro em português. Os dois são de mulheres que tiveram seus diagnósticos tardios e como passaram por certas situações:

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Thais Lombardi
Lado M
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Cineasta, redatora, revisora, feminista e vegetariana. Gosta de ler, gatos, fazer crochê e destruir o patriarcado.