Musical As Cangaceiras, Guerreiras do Sertão exalta a força feminina no ambiente inóspito da época

Graci Paciência
Lado M
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3 min readJul 28, 2019

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Havia lugar para as mulheres em um dos fenômenos mais controversos da história do país, o cangaço? Sim, havia. A questão, na verdade, é se o lugar reservado a elas se estendia ao papel de submissão ao marido.

Inspirado em depoimentos de mulheres que viveram no cangaço ou possuem alguma ligação com o movimento, em As Cangaceiras, Guerreiras do Sertão, musical em cartaz no teatro do SESI-SP (Centro Cultural FIESP, em São Paulo), conhecemos um grupo de mulheres que, no cangaço pós-Lampião, reivindicam seus direitos e vão atrás do que mais desejam.

À beira da morte, Nonato (Eduardo Leão) revela à Serena (Amanda Costa) que seu filho está vivo e foi entregue ao padre Tibúrcio. Ela decide, então, fugir do marido, Taturano (Marco França), cangaceiro temido, e encontrar seu bebê. Enquanto isso, uma jovem (Rebeca Jamir) se vê forçada a ir embora escondida da mãe, que lhe criou sozinha, e entregar sua vida, liberdade e juventude ao cangaceiro Meialua (Marcello Boffat). Apaixonada por outro rapaz, a garota vai de encontro ao seu destino, mas percebe que não vai se submeter à vida de humilhação que o cangaceiro quer lhe oferecer, o que incluiria ser marcada como se fosse gado e propriedade do futuro marido. Com a ajuda de Serena, ela foge do noivo e vai atrás de sua mãe para salvá-la da ira de Meialua.

A mãe da jovem, Deodata (Vera Zimmermann), também é uma sobrevivente. Criou a filha sem revelar quem é o pai da garota que sonha em descobrir a identidade do sujeito. Em certo ponto da história, ela revela seu passado e o que lhe levou à decisão de nunca revelar quem é o pai de sua filha. Outras mulheres se juntam ao bando e, unidas, elas partem em busca de seus respectivos objetivos. Suas histórias se cruzam umas com as outras, e elas percebem que a união entre todas será necessária para que alcancem suas metas e preservem suas vidas.

A história tem forte carga dramática, mas não perde o tom cômico. Contando com um elenco incrivelmente talentoso e números musicais contagiantes, a narrativa permite que o público experimente diversas sensações ao longo de seus 120 minutos.

As risadas estão presentes em boa parte do tempo, mas a emoção e a reflexão acerca do tema, com caráter de fábula, não nos abandonam. É impossível não nos questionarmos sobre o contexto social da época, e isso vem com a admiração a quem conseguia, mesmo que sem saber, expressar a raiz do significado do movimento feminista e o comportamento feminino em volta disso.

Muitas das mulheres do cangaço possuíam baixo nível de instrução, cresceram ouvindo que mulher devia obediência ao pai e a maior dor, para elas, era ter os filhos tirados de seus braços. É necessário reconhecer a dificuldade em conseguir admitir que era necessário “sair da caixinha” e ir contra tudo o que foi ensinado. Pode parecer fácil para mim ou para você, pois votamos, podemos trabalhar e temos acesso à internet. Mas como fazer isso nos anos 1930, no Sertão, e com o provável obstáculo do analfabetismo?

Com a dramaturgia de Newton Moreno e a direção de Sergio Módena, o musical nos permite uma aprofundada reflexão sobre direitos e sede de liberdade, além de ilustrar as dificuldades e obstáculos para se viver com dignidade na época. A obra conta com a direção musical de Fernanda Maia e a coreografia é assinada por Erica Rodrigues.

O musical é um belo exemplo de obra que exalta a história do Brasil e mostra (o que não deveria ser novidade) que o país conta com períodos, nem sempre felizes, que podem ilustrar narrativas com grande diversidade e com um pano de fundo que varia com grande frequência.

As Cangaceiras, Guerreiras do Sertão segue em cartaz no Teatro do SESI — SP — Centro Cultural (avenida Paulista, 1313 — em frente à estação Trianon-Masp do metrô) até o dia 4 de agosto de 2019, de quinta a sábado. A entrada é gratuita e você pode reservar um par de ingressos através do site Meu SESI.

Eles são disponibilizados às segundas-feiras, às 8h. Ingressos remanescentes e cota para quem não reservou o ingresso são distribuídos 15 minutos antes da apresentação, na bilheteria do teatro.

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Graci Paciência
Lado M
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Gosto terror e rock. Criadora e apresentadora do programa Soul do Rock, na Antena Zero. BlueSky: @gratona https://medium.com/@cronicasdagraci