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Não Tem Cabimento: por que a felicidade das pessoas gordas incomoda?

Lado M
Lado M
Published in
5 min readJun 15, 2021

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por Jéssica Balbino*

Não caber em roupas, cadeiras, camas, poltronas, catracas, elevadores, etc, causa nos corpos — e mentes gordas — mais estragos do que o cálculo do IMC (Índice de Massa Corpórea), usado para definir se alguém é ou não doente e, por conseguinte, um risco para a saúde pública.

Pessoas gordas, em especial mulheres gordas, sofrem diariamente com os dizeres “mas é só preocupação com a sua saúde”. Se é isso mesmo, me ajuda a pagar a parcela mensal do plano de saúde, ou paga minhas sessões de psicanálise. E que tal pagar minhas aulas de natação? Ou minha academia? E se você me fizer companhia em caminhadas pelo bairro? Que tal sair comigo para tomar um café e me ouvir falar sobre o preterimento social que sofro?

Quantas pessoas “boas” estão preocupadas com a saúde de outrem, mas, jamais, em toda a vida, doaram sangue, ou fizeram o cadastro para doação de medula óssea? Quer mesmo ajudar as pessoas? Procure a unidade de captação de sangue mais próxima. Os estoques se esvaziam rapidamente e você pode salvar vidas. Não é patrulhando o prato da pessoa gorda que você vai salvar alguém.

Tratar o corpo de uma pessoa gorda como excesso ou exagero é uma prática absurda de desumanização. A pergunta que devemos nos fazer é: por quê? Por que tentam desumanizar nossos corpos gordos? Por que eles incomodam tanto? Por que a insistência em tratar como uma epidemia ou um caso grave de saúde?

É sabido que não existe nenhuma doença que atinja apenas pessoas gordas. Todos os dados sobre colesterol, pressão alta e diabetes são contestáveis. Mas posso afirmar, sem excesso, que a gordofobia existe e afeta todas as pessoas gordas.

A gordofobia é limitante, ela impede que a pessoa conviva em sociedade e obriga o isolamento. Com isso vem a depressão, e a tal preocupação tão excessiva com a saúde dá lugar a inúmeros problemas de autoestima, autoaceitação e autoconfiança. Mas, quem se importa? Se a pessoa gorda estiver isolada, chorando numa cama, tudo bem, o que ela não pode é estar plena, viva e radiante na sociedade, ocupando espaços com seu corpo gordo. Aí não dá. N-Ã-O T-E-M C-A-B-I-M-E-N-T-O.

Não tem cabimento que a pessoa gorda queira ser livre. Por isso, pessoas magras precisam, o tempo todo, lembrá-la o quanto ela é “doente” por estar “acima” do peso considerado ideal pela sociedade. Não importa o quanto a pessoa gorda seja ativa, pratique esportes, coma bem, trabalhe duro e seja legal. Ela é gorda e é importante reforçar os estereótipos, assim como o mal estar dela.

Não importa que a pessoa magra não esteja saudável. Ela é magra, logo, aparenta estar. Não importa o que ela come, as drogas que eventualmente usa, ou o quanto lhe custa o corpo magro. Ela cabe. Cabe nas roupas, nas catracas e nos bancos. Cabe no pensamento, na fragilidade social, no estereótipo prescrito.

Pessoas magras cabem e tem passabilidade social. Pessoas gordas são lidas como doentes e não importa quanto de saúde efetivamente tenham: o mundo é programado para que elas não caibam. E, não tendo cabimento, não podem existir, tampouco lutar.

Este não é um texto feliz. Ele propõe uma reflexão: estamos nos preocupando com o tamanho, com o quanto as coisas cabem, por quê? A quem serve esse cabimento?

Meu desejo é que possamos nos esparramar, nos esbaldar, sair pelas bordas, não caber, derramar nosso corpo, nosso tamanho, nossos sonhos e nossas vidas. Meu desejo é que a gente, mais do que lutar, possa, um dia, ao menos um dia, descansar. Tem cabimento?

Autora e idealizadora de novo curso sobre empatia

Foto de João Paulo Ferreira

Jéssica Balbino é jornalista, mestre em comunicação e acredita que pode transformar o mundo através das narrativas. É criadora e editora do Margens, projeto que difunde conteúdo sobre mulheres periféricas na escrita.

Curadora de eventos literários em todo país. Podcaster, professora de cursos livres e autora dos livros Hip-Hop — A Cultura Marginal, Traficando Conhecimento e gasolina & fósforo — meu corpo em chamas (no prelo). Premiada por dois anos consecutivos na categoria Assessoria de Imprensa no Prêmio Maiores & Melhores. Estuda psicanálise.

Jéssica Balbino, junto com Flávia Durante, criou o curso “Não dê close errado — Media training e responsabilidade social para influencers”. São encontros semanais online com o tema central que é a luta antigordofobia, a pauta principal no trabalho das facilitadoras. Passando por diversos recortes, causas aliadas e técnicas de criação de conteúdo e de como dar entrevistas, além de glossário do close certo e bibliografia recomendada. O público-alvo é de influenciadores, blogueires e ativistas, além de jornalistas, publicitários e produtores de conteúdo em geral. O curso acontece de 29 de junho a 27 de julho de 2021, nas noites de terça, pela plataforma Google Meet.

Ementa:
– O que é empatia?
– O que é responsabilidade social?
– O que é identidade?
– O que é gordofobia?
– Causas aliadas: feminismo, maternidade, racismo, capacitismo, LGBTQIfobia, causas indígenas, classismo
– Como movimentar sua comunidade nessas pautas
– Identidade x pertencimento
– Como tratar de pautas importantes sem dar close errado
– Como criar relevância a partir de pautas espinhosas sem ser repetitivo
– Dicas para criação de conteúdo
– Departamento de vai dar merda: caso o tombo venha, como gerenciar sua crise
– Como dar entrevistas em vídeo, áudio e texto
– Como lidar com haters
– Ética na influência
– Influencers de diversos segmentos para seguir
– Glossário: termos e expressões para abolir de suas redes sociais
– Referências bibliográficas e de conteúdo

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