Nós nunca podemos esquecer o nome Marielle Franco

Helena Vitorino
Lado M
3 min readMar 15, 2018

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Marielle Franco: esse é o nome de alguém que não se intimidava em confrontar as feridas da sociedade. As feridas, para ela, eram como os males que acometem o corpo: exigem cuidado, tratamento contínuo e muita, muita dedicação. E por este motivo, carregando a voz de milhares de periféricos e periféricas em suas costas, com a responsabilidade de ser uma das vereadoras mais votadas do Rio de Janeiro, Marielle Franco empenhou seus dias em se tornar, ela própria, a encarnação pessoal da luta pela justiça e pela democracia. Para Marielle, nascer na favela e trazer na pele a matiz negra não deveria ser fator determinante para morrer atravessado por uma bala, fosse ela do crime organizado ou da polícia.

E é por ela, e como ela, que todas nós morremos um pouco na noite de 14 de março de 2018. Tiros ecoaram surdos e aflitivos no meio da noite, e as vozes foram calando, pouco a pouco, ignoradas pelo poder público e caladas pela força do próprio choque e desespero.

É como se cada mulher tivesse levado um tiro, pelas costas. Ainda que nossa carne não tenha sido atravessada pelo metal que interrompeu a voz de Marielle, por alguns momentos, nossa voz também calou. A confiança na justiça, na luta, no suor dedicado às noites e dias de trabalho árduo e incansável, nos parecem agora abalados.

Devíamos estar acostumadas? Como se acostumar com o extermínio? O extermínio pela mordaça de ferro, que não oferece possibilidade de recuo, mas que nos liquida com a própria velocidade em que se lê a palavra vida.

Vida. Vida de não conformismo, de entrega total do próprio corpo e do próprio espírito à transformação de uma realidade rígida. O estrago da bala que levou Marielle, no entanto, abriu um vácuo no tempo e espaço para que todas as vozes que a jovem vereadora carregava nas costas escoassem. Pela abertura que fizeram, na nossa carne negra, na nossa carne humana e feminina, vai jorrar muito mais do que tristeza e lágrimas, vai jorrar confronto. Inesgotável. Vai jorrar toda uma leva de inquietação e de desconforto que eles não poderão conter.

Por Marielle Franco, não podemos desistir

Eles nos tomaram Marielle Franco, nos tomaram Maria Elena Moyano. Eles nos tomaram Digna Ochoa, nos tomaram Benazhir Butto e tentaram nos tomar Malala Yousafzai. Mas eles não têm balas suficiente para assassinar a todas nós. Somos 52% da população deste país, entre ricas e pobres, negras, brancas, e todas as pluralidades possíveis e existentes, mas estamos todas jorrando, num fluxo incontrolável, por esse rombo que causaram nas nossas vidas.

Simplesmente não haverá balas o suficiente para conter a todas nós. E as balas que cessaram a voz de Marielle Franco serviram também para abrir a fenda que emana nossa luta, luta que estava misturada ao sangue dela.

A resistência feminina sul-africana bradava, em 1950, o grito que hoje faz mais sentido do que nunca.

“Quando vocês encostam numa mulher, vocês deslocam uma rocha. E agora que vocês deslocaram uma rocha, vocês provocaram um desmoronamento e vocês, todos vocês, serão esmagados”.

#NãoFoiAssalto #MariellePresente

Originally published at www.siteladom.com.br on March 15, 2018.

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