Na pele de uma Jihadista, a história real de uma jornalista recrutada pelo ISIS

Mariana Miranda
Lado M

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“Não vejo como lhe explicar sem deixá-lo aflito que sua filha, depois de se tornar Mélodie, e, em seguida, Umm Saladîne, está prometida a um terrorista do Estado Islâmico, que ainda por cima é o braço direito francês do homem mais perigoso do mundo”

Até onde você iria por uma investigação? Para uma reportagem, a jornalista francesa Anna Erelle — nome fictício para preservar sua verdadeira identidade — começou a investigar como o Estado Islâmico, através de redes sociais, convoca milhares de europeus para se juntarem a seus batalhões. O que ela não esperava era que, no final dessa reportagem, seria ela quem embarcaria em um avião rumo à Síria. E pior: para encontrar um dos terroristas mais perigosos do Daesh (ISIS), que já havia arranjado tudo para o casamento deles. Na pele de uma Jihadista é um livro sobre uma história real.

A investigação

É difícil entender como um terrorista de outro continente pode convencer uma muçulmana europeia a largar toda a sua vida para se casar em um país tomado pela guerra. Mas a verdade é que o número de jovens que seguem por esse caminho é muito maior do que nós imaginamos. E isso não acontece só com mulheres. Diversos homens também fazem o mesmo percurso, a procura de algum reconhecimento em uma nova terra.

Assim como nós, Anna não sabia exatamente como isso acontecia, mas entendia que era uma situação frequente. Conversava com diversos familiares que perderam seus filhos para o Estado Islâmico para tentar entender como era a vida dos novos soldados e porque largaram tudo em busca dessa nova vida. Como parte dessa investigação, Anna tinha uma conta fake no facebook com o nome Mélodie, onde compartilhava e curtia vídeos sobre o Daesh.

E foi compartilhando um dos vídeos que tudo começou. O homem que aparecia nesse vídeo em particular era Bilel, um terrorista de quase 40 anos que se vangloriava das conquistas do Estado Islâmico. Pouco tempo depois de compartilhar esse vídeo, Anna recebe diversas mensagens do próprio terrorista na conta de Mélodie. A jornalista fica um tanto surpresa, mas resolve entrar no jogo e fingir que realmente é uma muçulmana que apoia o Daesh.

Nas conversas, Mélodie mostra um grande interesse sobre os movimentos e vitórias do Estado Islâmico. Ela usa da pouca modéstia de Bilel para conseguir informações de primeira mão. O terrorista então pede sua conta do Skype, para que assim fiquei mais fácil para conversarem. É aí que Anna dá um passo a mais na sua investigação e literalmente personifica Mélodie.

Perigo

Com véu e vestido longo, Mélodie aparece na câmera e vira a nova obsessão da vida de Bilel. Conforme vão conversando, Anna se enrola cada vez mais nesse pseudo-relacionamento, até chegar ao ponto em que ele começa a afetar sua vida pessoal. Bilel diz que a ama e insiste o tempo inteiro para que ela vá para a Síria se casar com ele. Como não quer desistir da investigação, Anna acaba realizando verdadeiras loucuras para continuar recebendo essas informações e entender como o fenômeno de recrutamento digital funciona.

“Se, nas ruas de Raqqa, uma mulher acompanhada do marido estiver ‘mal velada’, o Daesh cobra do marido uma multa de 75 a 200 euros. E ai dele se não pagar de imediato por esta ‘infração’: sua mulher é executada. Se o marido, por sua vez, não estiver vestindo o djelaba e usando barba, o Daesh, em punição, vai lhe extorquir cerca de trinta euros”

É impossível ler Na pele de uma Jihadista e não ficar aflita com as situações em que Anna se envolve. O relacionamento de Mélodie com Bilel, mesmo que fictício, é extremamente abusivo: ele liga e manda mensagens a todo momento, perguntando como ela está, com quem ela está, quando vai pra Síria. Ele a pressiona dizendo que o casamento está planejado, que a ama mais do que tudo. Essa relação acaba sendo um reflexo de diversos relacionamentos abusivos que acontecem no mundo todo, onde o homem — mesmo que aparente ser um bom moço, e não um terrorista — quer dominar completamente a vida de sua parceira.

Conforme a trama acontece, é cada vez mais evidente o tamanho do perigo que é manter contato com o terrorista, ao ponto de nos questionarmos se todas aquela apuração jornalística vale de fato o risco que a jornalista corre. Na pele de uma Jihadista é um livro curto, mas com um muito o que contar. Por ser uma história real, cada linha ganha uma nova intensidade de suspense, e a leitora não sabe se quer descobrir que desfecho a jornalista terá.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 22, 2015.

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Mariana Miranda
Lado M
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Formada em Jornalismo pela ECA-USP e cofundadora do Lado M