O dia em que minha amiga disse que é lésbica — e abriu meu mundo

Helena Vitorino
3 min readJan 16, 2017

Não é que meu mundo fosse fechado e eu fosse homofóbica, não é nada disso. Mas, no dia em que minha melhor amiga me disse que é lésbica, eu reconsiderei muitas das coisas — senão todas — que eu sabia e pensava que sabia sobre homossexualidade. Também pensei fortemente na nossa amizade. Quando alguma amiga sua te diz “conheci um cara, estou apaixonada!” é ótimo, mas não é nenhuma revelação sobre ela própria de fato, nenhum fato novo a descobrir ou algum “descobrimento” pra você. Mas, quando sua amiga diz “eu estou apaixonada, e é por uma menina…”, a frase quase nunca vem com uma exclamação no final. Isso porque ela está receosa do que você vai dizer, de como você vai reagir.

Ela estava hesitante em me contar. Já há algum tempo eu notava que ela estava curtindo alguma felicidade clandestina, porque era só tocar no assunto e ela escorregava igual xampu no banho. Até que, quando finalmente o dia chegou, coitada, ela estava muito engasgada! Que coisa difícil pra ela de soltar.

Nossas amigas lésbicas estão represando sua felicidade por mero receio de como suas amigas heteras vão se comportar diante dessa revelação. E se eu disser que não foi uma surpresa, estou mentindo. Tentei não me prender àquele saudosismo de mãe, que além de piegas é conservador e não ajuda em nada: “mas você é minha menininha” — não, nada disso. Confesso que, num primeiro momento, eu tentei “entender”, como se a revelação fossem blocos que eu pudesse empilhar e no final encontrar algum monumento que fizesse sentido. Confesso que busquei algumas memórias para tentar me lembrar se em algum momento ela já havia (que vergonha lembrar disso e usar essa palavra) “dado pinta”… Até que pimba! Me veio na cabeça a coisa mais importante: minha amiga está feliz. Pronto, a mente está zerada. Nada mais importa.

Dizer a alguém que você é lésbica deve ser uma coisa estressante, e escrevo isso do ponto de vista de observância de uma mulher cis-hétero, que nunca precisou assumir sua sexualidade num mundo hétero-normativo. Escrevo isso do ponto de vista de alguém que nunca recebeu olhares tortos por andar com o namorado de mãos dadas na rua e nunca recebeu ameaças à integridade física pelo simples fato de amar alguém. E por não ter sofrido nada disso, e por ter alguém tão próximo a mim que sofreu, me coloco duplamente na responsabilidade de lutar ativamente contra a homofobia e as intolerâncias.

O quão insuportável é pensar que aquela pessoa com quem eu dividi minhas melhores risadas pode estar sendo ameaçada, de alguma forma. O dia em que minha melhor amiga me disse ser lésbica me abriu uma janela para um mundo a que eu não pertencia, para problemas que eu não compartilhava, para vivências que eu talvez sequer descobriria um dia. No dia em que minha amiga me disse ser lésbica, eu aproximei meu olhar para muitas questões sérias, aprofundei minha visão sobre a linguagem, sobre o gênero, e principalmente, sobre o amor. Não só o amor dela com uma outra mulher (que por si só é lindo e grande como qualquer amor verdadeiro), mas sobre o amor que tenho por ela descobrindo a si mesma uma nova pessoa, e confiando a mim essa sua descoberta.

Quando sua amiga diz a você que ela é lésbica, você ganha um grande presente: aquela sua velha amiga de sempre vai permanecer ali, mas, junto dela vai nascer uma outra amiga, talvez mais leve, talvez mais relaxada, talvez mais em paz com o mundo, mas com certeza muito, muito mais feliz.

Texto dedicado a todas as minhas melhores amigas lésbicas, que precisaram assumir isso ou não.

Originally published at www.siteladom.com.br on January 16, 2017.

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