O divórcio deveria restaurar sua fé no amor, e não liquidá-la
Fátima Bernardes e William Bonner não são mais um casal. Angelina Jolie e Brad Pitt também não. Há quem diga que o fim de casamentos tidos como “tão sólidos” faz surgir uma “descrença” no amor e na felicidade. Mas, quem determinou que o fim de um casamento e a vinda do divórcio é um indicador da extinção do amor entre as pessoas, talvez tenha se esquecido de um detalhe: o advento do divórcio pode significar o fim de um TIPO de amor, o “amor romântico”.
O “amor romântico” é a ideia de que um relacionamento estabelecido entre duas pessoas é eterno, singular, imortal e inquebrável. Tal pensamento, majoritariamente ocidental e monogâmico, não prevê para si um rompimento, uma vez que romper implicaria no “fim” do amor. No entanto, isso pode sobreviver na parte teórica. Na prática dos relacionamentos, rompimentos e infidelidades sempre existiram, o que nos leva a observar que o “amor romântico” é um mito.
Nas palavras da psicanalista Maria Lucia Homem, “o amor romântico foi uma ficção necessária, historicamente construída, e que talvez esteja vendo seus dias finais”. Em suma, o amor romântico é a idealização cultural de que a união de duas pessoas ultrapassa o tempo e as condições, para sempre, muitas vezes encerrado na grande instituição do casamento. A frase “até que a morte os separe” cristaliza o conceito do amor romântico, de que ele não nasceu para morrer.
O amor e o casamento, no entanto, nem sempre andaram juntos. Sendo a união matrimonial originalmente uma instituição patrimonialista, seu objetivo principal era o de proteger os bens, já que as famílias se uniam tradicionalmente para que as propriedades, terras e fortunas se mantivessem entre os mesmos donos. Os casamentos medievais eram arranjados e não contavam com o elemento “afeto”, pois seu objetivo primordial era o de proteger a propriedade e consolidar o nome e a tradição da família. A modernização das eras foi acrescentando a possibilidade do “amor” no casamento, como uma condicionante para que a união prosperasse. Surge, neste momento, o conflito: qual a durabilidade do amor?
Ao contrário do que se imagina, o grande vilão do “amor romântico” não foi o divórcio. A separação legalizada foi um instrumento necessário para absorver um fenômeno que já ocorria muito antes de estar nas constituições, uma vez que muitos casais separavam-se de fato e continuavam vivendo no mesmo lar. Uniões extraconjugais tomavam espaço muito antes do divórcio. E para quem ainda insiste que o divórcio veio para separar famílias e casais, é importante ressaltar que o divórcio foi uma grande salvação, especialmente para as mulheres.
No livro Romance Moderno, os autores Aziz Ansari e Eric Klinenberg explicam com grande humor que a vinda do divórcio foi um alívio social às mulheres. Com a promulgação da lei, notou-se não só uma onda massiva de pedidos de divórcio, mas uma onda de pedidos feitos por mulheres, muito mais que homens. A explicação é simples: social e culturalmente, os relacionamentos sempre foram mais flexíveis aos homens. As consequências da infidelidade e o abandono do lar, historicamente, sempre se abateram com menor peso sobre os homens. O divórcio veio, nesse sentido, para libertar muitas mulheres de casamentos fantasmas, em que relações abusivas e infelizes puderam ser encerradas para dar vez a um recomeço, e por que não, ao amor.
Então, sim, o divórcio é uma ferramenta a favor do amor. O divórcio, a separação, o rompimento, são estruturas que permitem encerrar ciclos mortos e abrir um leque de oportunidades. A coexistência do “amor romântico” parece hostil numa era digital, global e dinâmica. De repente, os casais começaram a pensar nas relações com prazo de validade (como demonstram os acordos pré-nupciais). O que antes era uma via certa de nascer-crescer-casar com o sexo oposto- reproduzir-e-morrer, hoje é substituído pela infinita possibilidade de experiências sociais, culturais e sexuais que alguém pode sofrer. Assim, as pessoas passam a se questionar: “vou passar todo o resto da minha vida com uma única pessoa?”.
Se a resposta for “não”, isso não significa que se perdeu toda a capacidade de amar, só porque não pensa em amar aquela pessoa pra sempre. Isso significa que o poder de transformar as coisas — o amor, o relacionamento, o casamento — é a vantagem de iniciar e encerrar ciclos sem depender da durabilidade deles para ser feliz. É poder começar e iniciar o amor, sem jamais deixá-lo morrer.
Originally published at www.siteladom.com.br on September 22, 2016.